01/07/2020

Decima quarta parte do meu livro”OS DOIS AMORES DE CARLINHOS” PLANEJANDO VIAGEM À MARINGÁ


No ano novo foi para casa de Luís dar um abraço no amigo. Lá chegando depois de muita conversa e colocando tudo em dia Carlinhos disse a Luís o seu plano de viajar para Maringá. Precisava a todo custo ver a amada. Não tinha mais como aguentar a dor no peito. Que lhe fazia mal e por algumas vezes do nada, se pegava chorando.
— Calinhô! O acho qui tu vai fazê bestera! Isso num dá certo, não. Oce só fez dizessete ano agora, i menor num pode viaja ansim não!
— Não estou preocupado com a minha idade não! Só quero ver a minha dourada, e depois eu já sei que quase não tem fiscalização do juizado de menores nas viagens de trem.
— É mas e si ti pegarem Calinhô!
— O máximo que vão fazer é mandar chamar meu pai. E ai sim, vai dar dor de cabeça para ele! Mas isso é coisa que eu não quero pensar!
— Já venho planejando tudo a um bom tempo e também economizei um dinheiro só para essa viagem. Escondi no assoalho, embaixo do pé da minha cama. Se minha mãe achar eu além de apanhar, fico sem ele.
— Mas Cuma é qui tu vai fazê isso!
— Eu vou sair de férias do trabalho na semana que vem e você tem que me ajudar. Dando um pulo lá em casa e pedir para minha mãe, deixar eu, passar uns dias aqui na sua casa.
— Isso é fácil Calinhô!
— Então só que eu não vou ficar aqui na tua casa.
— Não!
— Não chefe! Em vez de ficar na tua casa, vou viajar né!
— Tú é doido Calinhô! isso num vai dá certo.
— Tem que dar certo. Essa maldita saudade da dourada está acabando comigo. Eu vou fazer essa viagem de qualquer jeito. Nem que eu tome a maior surra da minha vida, quando voltar.
Na semana seguinte tudo combinado. Carlinhos passaria uma semana na casa de Luís, pois assim foi dito para dona Consuelo. Que permitiu, mas com quase uma hora de conselhos e recomendações!
— Vocês me ouviram!
— Sim senhora. Responderam em coro.
Luís deu um abraço de despedida em dona Consuelo. Ele e Carlinhos saíram para o quintal, e foi nessa hora que Luís disse ao amigo.
— Óia a respossalidade qui ocê tá me ponhando, nas costa!
— Fica tranquilo chefe, você sabe que eu não vou pôr em risco a tua amizade não!
— Inda vô tenta devolve ocê dessa histora de i pra tão longe. Óia aqui o colar da tua dorada, guarda ele de lembrança e isquece essa maluquês.
— Me dá um abraço amigo!
— Abraço prá que Calinhô!
— Por você ser meu amigo, mais que um irmão. Por você ser um cara leal, levar um tapa na cara por mim e sofrer calado. Para não piorar a minha situação de sofrimento naquele dia! Dentro do teu coração tem ouro pela nobreza dos teus gestos! Aqui fica selada uma jura amigo! E nesse abraço eu lhe juro! Se for preciso dou minha vida pela tua!
Quando se soltaram do abraço firme e forte Carlinhos viu Luís chorando e falou.
— Que foi chefe! Esta triste!
— Não Calinhô! É pur causo desse jeito bunito de tu falô, qui fiquei emucionado.
— Amigo eu já sabia da história e até do colar que estava contigo. Nossa amiga Adélia foi quem me contou. Mas como tem hora para contar segredos. Tem hora para agradecer também, não chora mais não, porque eu já te vinguei do Flávio!
— Qui é qui tu fez Calinhô?
— Lembra: do nosso estilingue, para ocasiões especiais, usei ele? No Flávio! Dali daquele esconderijo da casa do Eduardo. Subi no galho grosso da goiabeira e mandei uma chuva de bolinhas na direção dele!
— I acerto!
Pelo menos dois gritos eu ouvi!
— I ele num ti viu!
— Viu nada! Correu ladeira abaixo feito um foguete, e acho que cagou nas calças de medo!
— Calinhô! tu é jogo duro! Aquele instilingue eu fiz com borracha de michilin do peneu da bicicreta! Aquela borracha istica muito e o tiro é forte!
— É pelos gritos e xingamentos do Flávio, deve ter doído muito!
Os dois caíram numa risada muito gostosa! Ficaram satisfeitos e se despediram. Marcaram para dai há dois dias a ida para casa de Luís. Carlinhos entrou já no escuro da tardinha, daquele domingo. Indo direto para seu quarto. E com o colar que o amigo consertara rodando nos dedos. Ficou a lembrar da véspera de Natal. Quando deu o colar de presente à dourada. No portão do grupo escolar. Nunca ia esquecer, quando colocara o colar na amada. No simples gestos de encostar os dedos no pescoço dela, Carlinhos sentiu em suas mãos os arrepios e tremores do corpo dela
Estava tão desejosa de amor que não conseguia manter o corpo equilibrado, encostando as costas no peito dele! Enquanto tentava prender o fecho do colar, ele o derrubou. Só indo, em busca do mesmo ao chão, após mais um apaixonado beijo, orquestrados pelo batimento acelerado dos corações.
Quando pegou o colar viu que havia pisado nele e uma das bolinhas se descascara. Pois até essa bolinha o chefe colocou no colar quando o refez.
Na tarde do dia seguinte...
— Tuas roupas estão na mala pequena Carlos Albertô e não esquece o casaco verde, para o caso de fazer frio.
— Nossa mãe! Para que tanta roupa! Até parece que vou viajar para longe!
— Não importa, você tem que estar prevenido para tudo. E lembre-se de tudo o que lhe falei.
Dona Consuelo acompanhou o filho até o portão. Abraço-o e pediu que tomasse cuidado. O menino chorou depois do abraço e pensou:- porque a mãe não fazia isso mais vezes.
Tomou o ônibus na avenida principal e dirigiu-se para a estação da Luz. O embarque estava marcado para as dez horas. Agora era por sua conta e risco, tinha que correr tudo certo.
Partia para um desconhecido! Sua primeira preocupação era com o picador (fiscal que marcava a passagem cartonada com um pequeno furo) que passava pelos corredores. Sentado estava ao lado de uma senhora e disfarçava quando avistava o picador, puxando conversa com a senhora. Depois das primeiras picadas na passagem o homem já decorava para onde todos iam. Orientava-se pelas cores, pois cada uma tinha um destino regional. A passagem de Carlinhos e da sua mãe disfarçada ia até o final da linha. A cidade de Ourinhos. Ali trocava de trem até Maringá. Porém a saída desse trem era às oito da manhã e o garoto teve que dormir no banco da estação. 
Dezoito horas dentro de dois trens. Meu Deus! Pensava ele isso parece um castigo. Paisagem quase nenhuma devida as enormes plantações de café que beiravam o trajeto do trem e o barulho das rodas nos trilhos já lhe incomodavam.
Era bom quando parava nas grandes estações, pois o movimento de pessoas o distraia e às vezes descia do trem dando uma volta pela plataforma. Ai vieram Cornélio Procópio, Congonhas, Londrina, Rolândia, Apucarana, Jandaia do Sul e mais um pouquinho Maringá. Puxa que bom poder andar, esticar as pernas em solo firme.
A chegada a Maringá deu-se por volta das dezesseis horas. À emoção já se fazia presente no corpo de Carlinhos. Foram dezoito longas horas de viagem
O balanço rebolado e o barulho do atrito tilintado de rodas de ferros nos trilhos ainda soavam, como um eco sem fim nos seus ouvidos. Estava enjoado e visivelmente cansado pelo tempo que passou sentado na poltrona.
                                                                                                                             
Tomou um lanche no bar da estação e pediu algumas informações. Finalmente tomou um ônibus urbano que o levaria ao endereço da amada. Olhava para todos os lados pelas janelas do veículo, tentando sempre se localizar pelas explicações que lhe deram na estação de trens. O desconhecido o deixava nervoso e a emoção causava-lhe arrepios.
— Ô garoto? Você salta no próximo ponto. Era o motorista lhe informando a rua onde o menino ia descer. Achou a rua, foi mais fácil do que pensava. Do início até o número oitenta e sete. Tão perto de encontrar o sonho, o amor sufocado na alma. Faltava pouco! A cada passo um respirar mais fundo, arrepios começaram a perturbar- lhe o corpo. Parou e a uns trinta metros a sua frente um casal se beijava em um portão. Calculou que o número aonde ia, era mais ou menos ali, onde estava o casal, que se separa do beijo e começa a conversar.
Carlinhos para de repente. Seu coração explode! Sente que é a hora de morrer e com um tremendo baque no corpo, ali naquele momento, acaba o seu mundo.

 
Sentou-se a beira da cerca de madeira do número cinquenta e sete. O ar lhe faltava! Era melhor a morte do que ter visto sua amada dourada, beijando um magrelo, feioso e com um cabelo de corda igual ao dela.
Era ela! A sua paixão a sua vida que estava ali. Beijando e abraçando deixando o corpo cultuado e amado ser violado por outros braços.
As lágrimas queimaram seu rosto, um frio percorrendo a espinha a boca trêmula, Um duro golpe para um ser apaixonado que viera em busca de ternuras e afagos. Agora isso não fazia mais parte da sua vida. Levantou-se para fazer o caminho de volta, mas para que voltar se havia morrido naquele instante. Pensou em ir ao encontro de Esmeralda e indagar-lhe o por que!. 
Mas a mágoa foi maior. Ali foram embora do seu corpo tudo o que tinha de bom, o amor, a ternura os carinhos e afagos. Agora fazendo parte da sua nova vida estavam a mágoa a tristeza e o desapego, que se uniram a saudade do tempo que era feliz.
Começou a dar passos desconexos como se estivesse bêbado, o coração ia saltar pela boca e o caminho de volta estava a sua frente. Na esquina onde descera do ônibus a minutos atrás havia uma pequena quitanda com um banco comunitário do lado de fora. Pediu licença ao proprietário e sentou-se um pouco. Era hora de pensar um pouco. Sobre o que fazer. Precisava aliviar o coração do grande e doído soco, que o destino acabara de lhe dar. Limpou o suor do rosto e esfregou o lenço nos olhos ardidos. O quitandeiro perguntou-lhe se estava tudo bem! Ele assentiu com a cabeça e agradeceu com um sorriso sem vontade,
Passado um tempo, notou que vinha andando em sua direção um senhor e o cara que estava com a sua dourada. Ao chegar bem de frente a ele os dois se despediram. O magrelo comprido com o cabelo de corda igual da sua ex-amada, seguiu em frente e o senhor com um chapéu de palha na cabeça entrou na quitanda.
Antes cumprimentou Carlinhos. Dentro da quitanda o homem comentou com o quitandeiro, sobre o magrelo que namorava sua neta, e que não via com bons olhos, aquele rapaz. O quitandeiro respondeu ao senhor que o tipo era meio malandrão. E reforçou dizendo que quando a família tem prestígio os filhos não dão para nada. Já do lado de fora do estabelecimento com o que fora comprar nas mãos o senhor respondeu ao quitandeiro.
— Se ela quer e gosta dele! Quem sou eu para dizer o contrário. Até amanhã João. Até logo menino. Acenou para Carlinhos e foi embora.
— Seu Honorato? Chamou o quitandeiro, se dirigindo ao senhor.
— O senhor esqueceu as paçocas da neta.
O velho voltou para pegar e saiu reclamando da idade e do esquecimento.
Logo que o senhor sumiu da sua visão, Carlinhos levantou-se, agradeceu ao quitandeiro pela hospitalidade do banco e seguiu a rua de volta à casa do avô de Esmeralda.
Ali estava o número oitenta e sete. A casa era caiada de verde e tinha um quintal de flores na frente. Parado em frente ao portão, Carlinhos joga no jardim o colar de perolas e pensa:- Aqui é o teu lugar. Novamente as lágrimas rolam pelo seu rosto. Era com grande mágoa no peito decretava o final do amor de Esmeralda.
Doía-lhe muito, mas não ia perguntar a ela o porquê! E para que? Se a vida dela já estava decidida. Agora era voltar, e esquecê-la.




A CANÇÃO DO RETORNO

Acomodado no trem, na dura poltrona estofada do vagão de passageiros. Tirou do bolso um panfleto de como nasceu a cidade de Maringá. Leu a história e depois baixinho cantou a musica composta por Joubert de Carvalho. Pegou a caneta, o papel e refez a historia. A moda dele, como num desabafo pelo que havia acontecido. Juntou sua dor à inspiração do compositor e escreveu.
A canção nascida do amor,
Do incansável lenhador.
Que amava Maria, de Ingá.
A seca matando o verde da terra.
Na pequena cidade de Ingá.
Maria vendo o ingazeiro do quintal morrendo.
Com sede a terra, sem poder beber, fazia a roça verde ficar amarela. 
Hora de partir, procurar um alento de esperança! 
A cabocla partiu! E partiu o coração do lenhador.
Maria de Ingá, da casa do ingazeiro.
Misturando o bom sotaque mineiro,
Engolindo letras e falando depressa.
Maria de Ingá.
Maria do ingazeiro.
Maria do Ingá.
Maringá!
Assim o lenhador, chamava seu amor!
Cabocla Maringá!
E também fugindo da seca!
Foi cortar sua lenha, em terras do Paraná!
Cansado da lida, no final do dia.
Lembrava à cabocla, como alento.
E da memória ao pensamento,
Um choro forte no peito. Num lamento de vós.
A cantar. Maringá. Maringá!
E aberta à trilha no machado.
O verde caindo na trilha, no final da picada!
Nasceu a cidade canção!
Maringá! Um amor caboclo.
Num sonho de canção.
Quando os sentimentos queimam no peito a vida parece tão cansada, devido ao desanimo.
Uma dor que parece nunca vai ter fim. Um lamento que vem lá do fundo da alma. Carlinhos também tinha uma Maria de Maringá. E essa cabocla não partira por causa da seca. Maria Esmeralda de Maringá partiu seu coração encantado de amor menino.

São Paulo – Vila Ré Março de 1966





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