No ano novo foi para casa de Luís dar um abraço no
amigo. Lá chegando depois de muita conversa e colocando tudo em dia Carlinhos
disse a Luís o seu plano de viajar para Maringá. Precisava a todo custo ver a
amada. Não tinha mais como aguentar a dor no peito. Que lhe fazia mal e por
algumas vezes do nada, se pegava chorando.
— Calinhô! O acho qui tu vai fazê bestera! Isso num
dá certo, não. Oce só fez dizessete ano agora, i menor num pode viaja ansim
não!
— Não estou preocupado com a minha idade não! Só
quero ver a minha dourada, e depois eu já sei que quase não tem fiscalização do
juizado de menores nas viagens de trem.
— É mas e si ti pegarem Calinhô!
— O máximo que vão fazer é mandar chamar meu pai. E
ai sim, vai dar dor de cabeça para ele! Mas isso é coisa que eu não quero
pensar!
— Já venho planejando tudo a um bom tempo e também
economizei um dinheiro só para essa viagem. Escondi no assoalho, embaixo do pé da
minha cama. Se minha mãe achar eu além de apanhar, fico sem ele.
— Mas Cuma é qui tu vai fazê isso!
— Eu vou sair de férias do trabalho na semana que
vem e você tem que me ajudar. Dando um pulo lá em casa e pedir para minha mãe,
deixar eu, passar uns dias aqui na sua casa.
— Isso é fácil Calinhô!
— Então só que eu não vou ficar aqui na tua casa.
— Não!
— Não chefe! Em vez de ficar na tua casa, vou viajar
né!
— Tú é doido Calinhô! isso num vai dá certo.
— Tem que dar certo. Essa maldita saudade da dourada
está acabando comigo. Eu vou fazer essa viagem de qualquer jeito. Nem que eu
tome a maior surra da minha vida, quando voltar.
Na semana seguinte tudo combinado. Carlinhos
passaria uma semana na casa de Luís, pois assim foi dito para dona Consuelo.
Que permitiu, mas com quase uma hora de conselhos e recomendações!
— Vocês me ouviram!
— Sim senhora. Responderam em coro.
Luís deu um abraço de despedida em dona Consuelo.
Ele e Carlinhos saíram para o quintal, e foi nessa hora que Luís disse ao
amigo.
— Óia a respossalidade qui ocê tá me ponhando, nas
costa!
— Fica tranquilo chefe, você sabe que eu não vou pôr
em risco a tua amizade não!
— Inda vô tenta devolve ocê dessa histora de i pra
tão longe. Óia aqui o colar da tua dorada, guarda ele de lembrança e isquece
essa maluquês.
— Me dá um abraço amigo!
— Abraço prá que Calinhô!
— Por você ser meu amigo, mais que um irmão. Por
você ser um cara leal, levar um tapa na cara por mim e sofrer calado. Para não
piorar a minha situação de sofrimento naquele dia! Dentro do teu coração tem
ouro pela nobreza dos teus gestos! Aqui fica selada uma jura amigo! E nesse
abraço eu lhe juro! Se for preciso dou minha vida pela tua!
Quando se soltaram do abraço firme e forte Carlinhos
viu Luís chorando e falou.
— Que foi chefe! Esta triste!
— Não Calinhô! É pur causo desse jeito bunito de tu
falô, qui fiquei emucionado.
— Amigo eu já sabia da história e até do colar que
estava contigo. Nossa amiga Adélia foi quem me contou. Mas como tem hora para
contar segredos. Tem hora para agradecer também, não chora mais não, porque eu
já te vinguei do Flávio!
— Qui é qui tu fez Calinhô?
— Lembra: do nosso estilingue, para ocasiões
especiais, usei ele? No Flávio! Dali daquele esconderijo da casa do Eduardo.
Subi no galho grosso da goiabeira e mandei uma chuva de bolinhas na direção
dele!
— I acerto!
Pelo menos dois gritos eu ouvi!
— I ele num ti viu!
— Viu nada! Correu ladeira abaixo feito um foguete,
e acho que cagou nas calças de medo!
— Calinhô! tu é jogo duro! Aquele instilingue eu fiz
com borracha de michilin do peneu da bicicreta! Aquela borracha istica muito e
o tiro é forte!
— É pelos gritos e xingamentos do Flávio, deve ter
doído muito!
Os dois caíram numa risada muito gostosa! Ficaram
satisfeitos e se despediram. Marcaram para dai há dois dias a ida para casa de
Luís. Carlinhos entrou já no escuro da tardinha, daquele domingo. Indo direto
para seu quarto. E com o colar que o amigo consertara rodando nos dedos. Ficou
a lembrar da véspera de Natal. Quando deu o colar de presente à dourada. No
portão do grupo escolar. Nunca ia esquecer, quando colocara o colar na amada.
No simples gestos de encostar os dedos no pescoço dela, Carlinhos sentiu em
suas mãos os arrepios e tremores do corpo dela
Estava tão desejosa de amor que não conseguia manter
o corpo equilibrado, encostando as costas no peito dele! Enquanto tentava
prender o fecho do colar, ele o derrubou. Só indo, em busca do mesmo ao chão,
após mais um apaixonado beijo, orquestrados pelo batimento acelerado dos
corações.
Quando pegou o colar viu que havia pisado nele e uma
das bolinhas se descascara. Pois até essa bolinha o chefe colocou no colar
quando o refez.
Na tarde do dia seguinte...
— Tuas roupas estão na mala pequena Carlos Albertô e
não esquece o casaco verde, para o caso de fazer frio.
— Nossa mãe! Para que tanta roupa! Até parece que
vou viajar para longe!
— Não importa, você tem que estar prevenido para
tudo. E lembre-se de tudo o que lhe falei.
Dona Consuelo acompanhou o filho até o portão.
Abraço-o e pediu que tomasse cuidado. O menino chorou depois do abraço e
pensou:- porque a mãe não fazia isso mais vezes.
Tomou o ônibus na avenida principal e dirigiu-se
para a estação da Luz. O embarque estava marcado para as dez horas. Agora era
por sua conta e risco, tinha que correr tudo certo.
Partia para um desconhecido! Sua primeira
preocupação era com o picador (fiscal que marcava a passagem cartonada com um
pequeno furo) que passava pelos corredores. Sentado estava ao lado de uma
senhora e disfarçava quando avistava o picador, puxando conversa com a senhora.
Depois das primeiras picadas na passagem o homem já decorava para onde todos
iam. Orientava-se pelas cores, pois cada uma tinha um destino regional. A
passagem de Carlinhos e da sua mãe disfarçada ia até o final da linha. A cidade
de Ourinhos. Ali trocava de trem até Maringá. Porém a saída desse trem era às
oito da manhã e o garoto teve que dormir no banco da estação.
Dezoito horas dentro de dois trens. Meu Deus!
Pensava ele isso parece um castigo. Paisagem quase nenhuma devida as enormes
plantações de café que beiravam o trajeto do trem e o barulho das rodas nos
trilhos já lhe incomodavam.
Era bom quando parava nas grandes estações, pois o
movimento de pessoas o distraia e às vezes descia do trem dando uma volta pela
plataforma. Ai vieram Cornélio Procópio, Congonhas, Londrina, Rolândia,
Apucarana, Jandaia do Sul e mais um pouquinho Maringá. Puxa que bom poder
andar, esticar as pernas em solo firme.
A chegada a Maringá deu-se por volta das dezesseis
horas. À emoção já se fazia presente no corpo de Carlinhos. Foram dezoito
longas horas de viagem
O balanço rebolado e o barulho do atrito tilintado
de rodas de ferros nos trilhos ainda soavam, como um eco sem fim nos seus
ouvidos. Estava enjoado e visivelmente cansado pelo tempo que passou sentado na
poltrona.
Tomou
um lanche no bar da estação e pediu algumas informações. Finalmente tomou um
ônibus urbano que o levaria ao endereço da amada. Olhava para todos os lados
pelas janelas do veículo, tentando sempre se localizar pelas explicações que
lhe deram na estação de trens. O desconhecido o deixava nervoso e a emoção
causava-lhe arrepios.
— Ô garoto? Você salta no próximo ponto. Era o
motorista lhe informando a rua onde o menino ia descer. Achou a rua, foi mais
fácil do que pensava. Do início até o número oitenta e sete. Tão perto de
encontrar o sonho, o amor sufocado na alma. Faltava pouco! A cada passo um
respirar mais fundo, arrepios começaram a perturbar- lhe o corpo. Parou e a uns
trinta metros a sua frente um casal se beijava em um portão. Calculou que o
número aonde ia, era mais ou menos ali, onde estava o casal, que se separa do
beijo e começa a conversar.
Carlinhos para de repente. Seu coração explode!
Sente que é a hora de morrer e com um tremendo baque no corpo, ali naquele
momento, acaba o seu mundo.
Sentou-se a beira da cerca de madeira do número
cinquenta e sete. O ar lhe faltava! Era melhor a morte do que ter visto sua
amada dourada, beijando um magrelo, feioso e com um cabelo de corda igual ao
dela.
Era ela! A sua paixão a sua vida que estava ali.
Beijando e abraçando deixando o corpo cultuado e amado ser violado por outros
braços.
As lágrimas queimaram seu rosto, um frio percorrendo
a espinha a boca trêmula, Um duro golpe para um ser apaixonado que viera em
busca de ternuras e afagos. Agora isso não fazia mais parte da sua vida.
Levantou-se para fazer o caminho de volta, mas para que voltar se havia morrido
naquele instante. Pensou em ir ao encontro de Esmeralda e indagar-lhe o por
que!.
Mas a mágoa foi maior. Ali foram embora do seu corpo
tudo o que tinha de bom, o amor, a ternura os carinhos e afagos. Agora fazendo
parte da sua nova vida estavam a mágoa a tristeza e o desapego, que se uniram a
saudade do tempo que era feliz.
Começou a dar passos desconexos como se estivesse
bêbado, o coração ia saltar pela boca e o caminho de volta estava a sua frente.
Na esquina onde descera do ônibus a minutos atrás havia uma pequena quitanda
com um banco comunitário do lado de fora. Pediu licença ao proprietário e
sentou-se um pouco. Era hora de pensar um pouco. Sobre o que fazer. Precisava
aliviar o coração do grande e doído soco, que o destino acabara de lhe dar.
Limpou o suor do rosto e esfregou o lenço nos olhos ardidos. O quitandeiro
perguntou-lhe se estava tudo bem! Ele assentiu com a cabeça e agradeceu com um
sorriso sem vontade,
Passado um tempo, notou que vinha andando em sua
direção um senhor e o cara que estava com a sua dourada. Ao chegar bem de
frente a ele os dois se despediram. O magrelo comprido com o cabelo de corda
igual da sua ex-amada, seguiu em frente e o senhor com um chapéu de palha na
cabeça entrou na quitanda.
Antes cumprimentou Carlinhos. Dentro da quitanda o
homem comentou com o quitandeiro, sobre o magrelo que namorava sua neta, e que
não via com bons olhos, aquele rapaz. O quitandeiro respondeu ao senhor que o
tipo era meio malandrão. E reforçou dizendo que quando a família tem prestígio
os filhos não dão para nada. Já do lado de fora do estabelecimento com o que
fora comprar nas mãos o senhor respondeu ao quitandeiro.
— Se ela quer e gosta dele! Quem sou eu para dizer o
contrário. Até amanhã João. Até logo menino. Acenou para Carlinhos e foi
embora.
— Seu Honorato? Chamou o quitandeiro, se dirigindo
ao senhor.
— O senhor esqueceu as paçocas da neta.
O velho voltou para pegar e saiu reclamando da idade
e do esquecimento.
Logo que o senhor sumiu da sua visão, Carlinhos
levantou-se, agradeceu ao quitandeiro pela hospitalidade do banco e seguiu a
rua de volta à casa do avô de Esmeralda.
Ali estava o número oitenta e sete. A casa era
caiada de verde e tinha um quintal de flores na frente. Parado em frente ao
portão, Carlinhos joga no jardim o colar de perolas e pensa:- Aqui é o teu
lugar. Novamente as lágrimas rolam pelo seu rosto. Era com grande mágoa no
peito decretava o final do amor de Esmeralda.
Doía-lhe muito, mas não ia perguntar a ela o porquê!
E para que? Se a vida dela já estava decidida. Agora era voltar, e esquecê-la.
A
CANÇÃO DO RETORNO
Acomodado no trem, na dura poltrona estofada do
vagão de passageiros. Tirou do bolso um panfleto de como nasceu a cidade de
Maringá. Leu a história e depois baixinho cantou a musica composta por Joubert
de Carvalho. Pegou a caneta, o papel e refez a historia. A moda dele, como num
desabafo pelo que havia acontecido. Juntou sua dor à inspiração do compositor e
escreveu.
A canção nascida do amor,
Do incansável lenhador.
Que amava Maria, de Ingá.
A seca matando o verde da terra.
Na pequena cidade de Ingá.
Maria vendo o ingazeiro do quintal morrendo.
Com sede a terra, sem poder beber, fazia a roça verde ficar amarela.
Com sede a terra, sem poder beber, fazia a roça verde ficar amarela.
Hora de partir, procurar um alento de
esperança!
A cabocla partiu! E partiu o coração do
lenhador.
Maria de Ingá, da casa do ingazeiro.
Misturando o bom sotaque mineiro,
Engolindo letras e falando depressa.
Maria de Ingá.
Maria do ingazeiro.
Maria do Ingá.
Maringá!
Assim o lenhador, chamava seu amor!
Cabocla Maringá!
E também fugindo da seca!
Foi cortar sua lenha, em terras do Paraná!
Cansado da lida, no final do dia.
Lembrava à cabocla, como alento.
E da memória ao pensamento,
Um choro forte no peito. Num lamento de vós.
A cantar. Maringá. Maringá!
E aberta à trilha no machado.
O verde caindo na trilha, no final da picada!
Nasceu a cidade canção!
Maringá! Um amor caboclo.
Num sonho de canção.
Quando os sentimentos queimam no peito a vida parece
tão cansada, devido ao desanimo.
Uma dor que parece nunca vai ter fim. Um lamento que
vem lá do fundo da alma. Carlinhos também tinha uma Maria de Maringá. E essa
cabocla não partira por causa da seca. Maria Esmeralda de Maringá partiu seu
coração encantado de amor menino.
São
Paulo – Vila Ré Março de 1966
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