21/05/2018

OS VELHOS, AS FLORES E A HORTA

Aposentado!
Num canto jogado,
olhos fixos em nada, parados.
Em prantos, imaginando o que fazer.
Sem prazer!
Era assim todos os dias
em caminhadas de  manhã quente.
Ensolaradas!
Passo fraco pela calçada, cuidando para não cair,
notou nas rachaduras de um muro pequena flor.
Amarela!
Uma criança passou arrancando,
decepando o encanto da bela.
 A florir!
Em casa, corpo cansado, almoço à mesa, feijão e arroz.
Que beleza!
Batata e ovo estrelado, farofa de toucinho, quiabo bem babado,
laranja azeda de sobremesa,
mal escolhida com certeza!
À tarde, um passeio pelo quintal. Muito mato, erva daninha, puro matagal. Nenhuma planta bonitinha, amarelinha como a florzinha da rachadura do muro. Capim gordura, capim cidreira, capim cidrão, mas só para chá. Tinha caruru, que é comida de galinha, porém ali não tinha galinha. Naquele quintal, só capim, capinzinho, capinzão e a venenosa maria-pretinha, nada de bom. Terra largada, sem valor, que não prestava para nada.
No dia seguinte levantou cedo, tomou café ralo e amargoso e foi pôr em prática o sonho que sonhou: foi na venda e comprou pá, enxada e um balde para  terra. Não esqueceu de um carrinho de mão. Em
casa sua velha sorriu, finalmente ele aderiu: limpar o quintal; trabalho braçal, contudo horta à vista. O velho capinou a manhã inteira. Não estava acostumado, o corpo cansado, com o Sol na moleira.  Sua velha trouxe um chapéu.
--Meu Deus! Para véio, ocê vai infartá.
--Infarto não, muié. Mas uma aguinha fresquinha da moringa num pode fartá!
A enxada comendo a capina,
a pá enchendo o carrinho.
 Assim caia o capinzal,
do carrinho para um cantinho,
Que canseira!
O velho almoçou o de sempre, a laranja continuava azeda. Descansou, tirou uma soneca. No fim do dia, examinou o terreno.
 “Anoitece, melhó entrá prá mó do sereno, melhó ir jantá”
 Amanheceu,
 acordou,
 se mexeu.
 Doeu!
O corpo moído. A ferrugem gemendo, que quando gemia, doía. Porém se levantou e bebeu o café ralinho. Manquitolando e com trôpegos pequenos passos voltou para o terreno. Já dava para ver as manchas marrons da terra escavada. A velha olhando o velho pensou:
“Será que caducô, ficô doido?”
Foi ao encontro dele mormurando com certo encanto.
-- Descansa, eu cavo um pouco...
-- Carece não, muié.
A velha deixou a moringa de água fresca na sombra;  volta e meia o velho tomava uma canecada.

Assim passaram um dia e outros,
mais outros.
Capinando,
cavando,
 ajuntantando mato seco,
queimando.
Roçando!
No final do trabalho chamou a velha e sentandos, cada um de um lado debaixo da goiabeira bichada, conversaram.
- -Não vejo a hora de vê tudo jardinado e frorido.
-- Frorido, véio? Onde vô prantá o tomate, o repoio e o pipino do talo fino. A cidreira, o cuentro e a sarsinha prá usá na cozinha?
-- Uai! E donde vô prantá minhas frô?
-- Vai prantá frô?
-- Vô! Vô, sim!
-- Vai não!
-- Vô sim!
-- Vai não!
Então começou a briga, confusão e discussão.
-- Eu andava aborrecido e ocê me enchendo o saco. Arrumei este trabaio, prá mó de jardiná e frori. Agora que tá tudo limpinho e capinadinho, tu que interrá cenora e xuxu? Então, vá tomando nota do que vô dizê: tua horta vai ficá desse lado e minhas frô do lado de cá. E num quero vê manjericão misturado com frô não!
A velha sorriu e disse:
-- Me dá cá um bejo prá mó de de selá nosso trato.
Se deram um beijo de bico.
-- Vô prantá carquejo, véio, prá quando teu vinho cutucá o teu figo!
 Assim foi feito.
Cada um no seu canto.
Para os filhos domingueiros, um espanto:
O velho, flores plantando,
 a velha, das verduras cuidando.
 Cada dia que passava, os dois mais unidos,
 filhos boquiabertos, fim dos ranzinzos.
Os velhos sorrindo!
- - Ô, meu véio. As muda tão bunita, as foia da couve briosa e sardável. O cantero carece uma cerquinha prá mó de num vim bicho roê as prantinha.
- - Vô faze uma procê minha véia. Uma cerquinha de tela. Quero  exprimentá o sabô do  hôrensô mais tua chicória de que tanto gosto.
- - Ocê tá safado véio, vai cuidá das tuas frô!
Primeiro vieram os pimentões e as margaridas; a roseira trepando no pau fincado no chão e as cheirosas folhas do manjericão. O velho sorria e acariciava as bromélias. As dores nas costas sumiram, os passos ja não eram tão lentos, estavam firmes.
            A velha, bonita e arrumadinha,
costurou um vestido de chita
de florzinha amarelinha.
Os dois, entre a horta e o jardim
sentados, namoravam ao entardecer.
Pequenas risadas safadas
entre rosas, couves e saladas.
Os mamões da velha firmes e doces e
o velho apalpava os pepinos, se lembrando
dos tempos passados.
Quando menino!
 As flores desabrochadas esperando o novo dia para receber a água fresquinha das regadas. A casa agora era caiada, a cerca de madeira que a rodeava toda arrumada, ripada e pintada de branco, um encanto. O velho levantava cedo, bebia o café – que ainda era ralo - e colhia na horta: tomates, abobrinhas para fazer recheadinhas e a couve para o almoço. Depois, cuidava das flores, acariciavas as folhas e tirava as teimosas ervas daninhas.
Cheirava a rosa,
aroma de sua velha.
Com as orquídeas,
suas filhas preciosas,
conversava coisas alegres.
Para as margaridas,
 brancas amarelas e coloridas, ele cantava.
Baixinho!
Sua velha olhava da janela aquele velho. Outrora ranzinza, naquela idade virou um moleque safado. Quem diria: com tanto amor dentro do peito! As lágrimas escorriam dos olhos de felicidade. Agora, seu velho era uma criança maliciosa e de cara  inocente entre os copos de leite e a delicada chuva-de-prata. Todo dia, recitando poesias, o velho  namorava suas flores.
Meus amores.
Te trago na alma como a folha da palma.
Delicado jasmim, enfeita meu jardim.
Delicada  gardênia, parecida com a rosa,
toda rainha e prosa.
 Azaleia e hortências, cresçam com a minha presença.
Violetas no vasinho, peçam carinho.
Tulipa bonita, merece um laço de fita.
Meu colorido jardim!

2 comentários:

Anônimo disse...

Fantástico.
Finalmente um cronista poeta.

Donadio, M disse...

Muito inteligente e emocionante a combinação de crônica e poesia.
Adorei!