30/04/2019

MEU AVÔ E O CHAPÉU QUE VOAVA

 



Meu avô era o risonho Manoel do bairro Aparecida, lá da cidade de Santos. Era homem muito dado e conhecido na vizinhança, pelo seu jeito se entender a coisas. Ora pois, pois. Gentil, estava sempre a abanar as mãos para outras pessoas. Muitas vezes abanava as mãos para fazer vento no rosto, por causa do calor.

Ele tinha a mania de usar e colecionar chapéus. Adorava-os, e os tinha num monte de cores. Mandava colocar na parte interna de todos os seus chapéus costurada no bojo, uma etiqueta com seu nome e endereço. Dizia que se esquecesse – o que era muito difícil, o chapéu alguém saberia quem era o esquecido.

Em certa ocasião me convidou a dar um passeio. Eu tinha uns oito anos. Ele me deu a mão e fomos nós, andamos por várias ruas parando em muitos lugares. Ele cumprimentava a todos com um sorriso largo e bem dado.

Paramos no Manoel da quitanda, no empório do seu Maneco. Fomos no Manequinho que vendia tamancos de madeira. No final entramos na chapelaria da dona Maria, que era casada com o artesão Manoelito. Era tanto Manoel e todos conhecidos que eu achava que tinham vindo da Manoelândia.

--- Olá Manoelito, como estas!

--- Ó seu Manoel tudo bem! Cá está o seu chapéu prontinho! Etiquetado e bordado com seu nome e endereço no forro de cetim branco.

Meu avô olhou o chapéu com olhos brilhantes. E um sorriso de felicidade. A peça era preta e tinha uma fita de seda preta e brilhante acima da aba. Colocou na cabeça e foi para a frente do espelho. Estava radiante e elegante. O chapéu lhe deu um ar de homem sério e de negócios.

Na caixa colocou o chapéu que estava na sua cabeça e saímos da loja com a cabeça do meu avô, toda prosa, exibindo o novo chapéu. Ora pois, pois. Ele também sorria. E parecia dançar andando ladeira abaixo. Todo exibido.

De repente uma lufada de vento forte, arrancou o dito cujo chapéu da cabeça do meu avô. Imediatamente corri para capturar o fujão. Mas o vento mais forte e esperto levou-o para mais longe e mais longe até que virou um ponto preto voando ladeira abaixo.

Voltei meio triste para perto do meu avô. Olhei para ele com a desculpa de não ter conseguido segurar o chapéu voador. Ele como bom entendedor olhou para os meus olhos e disse.

---Ficas tranquilo ó Carlitos! Deixe que ele se vá!

--- Mas vô! O chapéu era novinho.

--- Deixa estar menino! Ficas tranquilo!

Pegou o chapéu velho que estava na caixa e o colocou na cabeça. Assim fomos de volta para casa. Eu não entendia porque um homem tão apaixonado por chapéus, estava conformado e perder um novinho para o vento. Quando chegamos em casa quem ficou estupefato fui eu. Imaginem qual não foi a minha surpresa de ver no gramado do jardim descansando o chapéu novo do meu avô. Aquele mesmo que o vento arrebatara da sua cabeça.

--- Olha vô! O seu chapéu! Afirmei eu com um sorriso de felicidade.

Ele com toda a paciência e sorrindo, pegou o chapéu e limpou-o com o punho da camisa e colocou na cabeça afirmando.

--- É por isso Carlitos que mando colocar etiquetas com meu nome e endereço nos meus chapéus. Até o vento sabe aonde moro.

25/04/2019

ELEONOR

 

 

      Lá na vila do Sem Fim. Morava Eleonor, uma menina negra que era chamada de maluca pela família e vizinhança. Calada com os olhos parados e sempre com o dedo na boca. Seus cabelos carapinhos estavam sempre em pé. Eu chamava de penteado assustado.

 

      Aqueles olhos eu me lembro desde menino. Pareciam sonhar num mundo distante, com anjos e Papai Noel. Parecia estar sempre vendo Deus. Sonhava acordada.

 

      Sua casa era um misto de tijolo de barro e madeiras. O telhado era de sapé. No quintal tinha um fogão a lenha que fumeava o dia todo. Foi tudo construído pelo avô da família. O velho Mário do chapéu de palha amarrotado.

Moravam muitas pessoas naquela casa e tinham várias crianças. Volta e meia um morria, diziam que era de pneumonia.

 

      Às vezes eu via Eleonor brincar de roda com outras meninas. Porém ela não cantava, não sorria e também não ia ao grupo escolar como todas as crianças. Era a maluquinha da casa, da rua e do bairro.

 

      O tempo passou, ali eu cresci e por conta do falecimento do meu pai, já na minha juventude nos mudamos. Nunca esqueci a vila do Sem Fim, com suas ladeiras de terra e socadas de pedra. Nunca esqueci o nome daqueles moradores, cada um feliz ao seu modo.

 

      Um dia já velho andando pelo calçadão da vila da Penha me deparei com uma velha negra, com uma caneta e um caderno roto fazendo anotações, estava em pé encostada em um paredão caiado de amarelo. Seus cabelos brancos e suas vestimentas pretas de trapos, contrastavam ao amarelo. Ao seu lado sacolas com roupas velhas e bugigangas.

 

      Seu corpo era meio arqueado e balbuciava palavras enquanto escrevia. Passei por ela e fui em direção da loja de laticínios. Na volta à vi sentada no chão e recostada na sombreada do paredão,

 

      Ai sim vi aqueles olhos parados e o penteado assustado de Eleonor. Não me contive! Vontade de falar com ela não me faltou, porém pensei.: - Será que ela vai lembrar de mim.

 

Teimoso acendi um cigarro e parei a um metro e meio dela. Escutei as suas balbucies.

 

--- Si eu tinha um dinheiro na minha mão! Compava uma zeladera pa num azeda a mamadera du Pretinho. Se eu tinha istudado e formado dotora eu ia sarva tia Zélia da catapora i da pimononia. Ia curá o zóio do meu irmão feinho Arthur. Eu ia opera pra ele num ficá cego. Ô Deus! Mai u Sinhô levo tudo imbora! Me dexo só.

 

      Chorei ao ouvir isso! Todas as pessoas que ela falou o nome eu as conheci quando menino. Puxei do bolso da calça algum dinheiro e estendi a mão na direção de Eleonor para que ela pegasse. Fez uma cara feia e bicuda e foi me dizendo com a boca sem dentes.

 

--- Num carece não! Eu já armocei! E vê si u ce para com o cigarro! Teu pai morreu pur isso.

22/04/2019

INTERIOR DO MEU SERTÃO

Pelas terras empoeiradas.

Do meu sertão quente

Toca um violão e uma viola.

Com notas estridentes.


                             O som se orquestra se mistura!

                             Ao canto do assum! Que na altura

                             Voa dando nota a partitura


Na curva do rio o regato abaixo da ponte.

E o elegante murmúrio da fonte.

Formam com beleza

Uma orquestra da natureza.


                              As árvores balançando

                              Com a força do vento

                              Batendo galho em galho

                              Fazendo um chocalho

                              De acompanhamento.


O vento uiva como violino

E vai remexendo a poeira.

O pó levanta, pousando na ribanceira.

Fazendo a vida mudar de lugar.

16/04/2019

MEU LIVRO DE POESIAS

 

      Era um caderno de desenhos em espiral. Eu o tinha como um diário. Como um capricho.

      Havia me diplomado em datilografia e resolvi passar todos meus rascunhos de poesias para esse caderno. Com minha paciência de Jó, retirei a mola do caderno. Depois desenhei a lápis tudo o que eu imaginava ser o tema de cada poesia. Então ficava um esboço desenhado e datilografado em vermelho a poesia. Assim dava um destaque nas cores.

Foram cinquenta folhas. Na capa detrás, colei uma cartolina branca. Na da frente a foto de uma mulher que recortei de um calendário. A jovem tinha os olhos verdes e os cabelos loiros cacheados.

 

      Com a mesma paciência e obedecendo a posição dos furos recoloquei a mola em seu lugar.

      Estava pronto meu primeiro livro de poesias. Todo trabalhado com carinho e amor. 

Por estar muito apaixonado por você deixei contigo meu filho! Fruto das minhas fantasias poéticas.

 

      Você o adorou e ficou com ele para lê-lo, quando sentisse saudades de mim.

      Um dia parti da sua vida. Uma noite em que você viajando com sua mãe, entrei pelo corredor do bucólico chalé de madeira que você morava. Ouvi as paredes de falando de mim. Dentro delas seu pai e seu irmão ciumentos diziam blasfêmias, como se eu fosse aproveitador, um vagabundo um crápula. Mal sabiam que meu amor por você era maior que minha adoração por Deus.

 

      O pai concordava com o filho. Aquela noite me senti um lixo. Sai pelo corredor chorando para nunca mais voltar. Nem mesmo para pegar meus discos que deixei na tua estante da sala. Sumi da tua vida. Mesmo assim acompanhei seus passos. Em algumas ocasiões muito perto de você. Inclusive no dia do teu casamento. Quando todos entraram na igreja eu assisti na porta Deus te entregando a outro homem, fazendo-o prometer que te amaria até o final dos tempos.

      Antes disso, um dia o destino me fez encontrá-la novamente. Porém eu já tinha um rebento para cuidar. Além de perceber que você enfrentaria muita discórdia na sua família para me ter ao seu lado.  Novamente te deixei. Troquei meu amor por você pelo gostar de outra. A voz do meu rebento me chamava de Papá. Isso pesou na balança. E tive que aprender a viver minha vida longe de você.

 

      Nunca mais esqueci a voz do teu violão. Quando dedilhava canções de amor. Às vezes ouço as tuas músicas e sinto que nas tuas composições! Sempre tem um pouco de mim e do meu caderno de poesias.

14/04/2019

A DANÇA DE ANA

-- Corre Ana! Vai se molhar menina!

A mãe a chamar. Cai a chuva.

Ana dança. Adora a chuva.

Sonha! Canta! Dança na chuva.

Chuva é dadiva é alegria!

Sente a água escorrer pelo corpo. A cabeça a balançar, jogando os cabelos no ar.  A dançar molhados, espalham pequenas contas de pérolas.

Uma rajada de água em gotas.

Dança Ana! Lava a alma de anjo. Abra suas asas. Voe pela chuva.

-- Sai da chuva menina!

A mãe a reclamar.

-- Vai se resfriar!

Mas Ana! Canta e ri.

Num sapateado balé pelas poças do chão.

Que alegria! Ana só que dançar.

11/04/2019

A CASA DE VARANDA

 

A casa de varanda!

Tinha a impressão dela sorrir.

Toda em madeira branca.

Na varanda! Rosas a abrir.

 

Ritinha! Eu à via na janela.

Com flores brancas, ora amarelas.

Escondido e sentado, num tronco

Caído e deitado, que fazia de banco!

Espiava embevecido minha amada.

Com seu sorriso branco.

 

As vezes o piano tocava na sala.

Para mim! Era dia de festa

Doce seresta. Um dia de gala.

Do meu esconderijo eu marcava o compasso.

Com os dedos tocando meu braço.

Cantando uma canção.

Fazendo dupla com meu coração.

 

E a casa de varanda, toda branca

para mim sorrindo!

Me convidando. Para entrar!

 E a Ritinha namorar.

08/04/2019

O MALANDRO

Figuraça descendo o morro. Cheio de ginga.

Dançando no andar. Extrovertido

Esperta elegância matizada.

Chapéu acamurçado. Ou veludo liso, nunca estampado.

 

      Cumprimentos mil. Simpatia em pessoa.

      Andanças por todos os becos do morro.

      Exibindo lindo shoes. Couro de cobra legitimo.

      Sorriso largo! Mostrando o branco e dengoso

      da arcada, Simpatia não falta.

 

Gira a bengala branca, com malabarismo preciso.

Cabrochas aplaudem a elegância com sorrisos.

Em cada beco um beijo. Um amor. Uma mulata.

Lá em baixo. No bar do Mané. Carteado!

Joguinho esperto. Dado marcado.

 

      Num mundo moleque todo sorrindo.

      Levanta uma grana bacana!

      Gesticula uma gíria no falatório.

      Gruda uma mulata e vai prá orgia.

      Lá vai o malandro para a noite.

      Alegria! Curtir uma boemia.

 

05/04/2019

INIMIGOS OCULTOS DE UMA VIDA

      Acordava todos os dias com chicotadas de remorsos marcando seu peito. Lágrimas de saudades queimavam seu rosto, quando escorriam. Porém o que estava feito, não tinha volta. As lembranças e os bons momentos, eram os principais inimigos. Era o que mais lhe doía.

      Da mesma forma na hora de dormir os pensamentos lhe remoíam o cérebro. Se achava um infeliz, por ter ido em busca dos sonhos e da felicidade, talvez na hora errada.
      No passado quando jovem, fez exatamente tudo igual. Deixou tudo de família e a namorada, partindo sem rumo para um desconhecido destino. Não sabendo o que a vida lhe reservava. Nesse outrora os sentimentos, as tristezas e saudades foram vencidas. Sua índole e coerência por ter aprendido a ser leal consigo mesmo lhe ajudaram muito. Encontrou uma pessoa da qual gostou e construiu sua família.

      Hoje, porém a situação é a mesma, mas os laços de família diferentes. No passado foram a mãe os irmãos e a namorada amada. No presente as filhas e os netos. Encontrou a namorada do passado e a felicidade que não teve ao lado dela. Trocou de família novamente indo buscar um sonho. Editar um pelo menos dos seus seis livros que estavam em rascunho e mofando numa prateleira.

      Passava dias e dias trancado num quarto. Ao seu redor filhas e netos. Não escutava nem um bom dia. Nem um oi. Era como um robô, fazias coisas automaticamente. Se sentia um invisível, um quadro sem moldura e dentro dela a paisagem que não existia.
      Um aposentado inútil, sentia que a coragem de viver lhe abandonava. Ao contrário de quando era importante para sua família. Quando tinha um sonho para todos. Quando todos tinham a mesma opinião em ter um pai ao lado.
      Hoje percebe que cada um tem sua vida própria. E cada um tem uma opinião e uma mágoa para reclamar do que deu ou não para fazer. Vivendo dentro da mesma família. Desacertos entre certos e errados. Pai pra cá, pai pra lá. Pai isso, pai aquilo. Porquês! Cobranças. 
Para tudo! Vocês estão criadas. Tem vida própria. Chega!

      Uma aflição, vontade de fugir para qualquer parte do mundo.

      Às vezes a filha mais velha ia no quarto, conversavam com o trivial, era a única que lhe dava mais atenção. Os netos mais novos às vezes eram malcriados e lhe faziam caretas pelas costas. Era um velho ranzinza e chato. Assim sua mãe lhe ensinara a ser. Um velho macambúzio e sem alegria, que se perdeu no tempo do passado. Quando criança educada era criança calada. 
      Outras vezes a neta mais nova o deixava falando sozinho. Mas o neto! Esse sim era um menino diferente e esperto. Conversavam muito quando ele o levava na escola. Adorava conversar com o menino, adorava escutar as conversas dele, os sonhos que tinha na sua cabeça juvenil. 
Ele, porém, nunca teve um pai ou um avô para conversar. Desde os sete anos ia sozinho para o grupo escolar.
      Pior foi o abandono do pai quando os netos ainda eram pequeninos. Ele se incumbiu de cria-los e aguentar o rojão com o resto da família. Passeava com os pequenos, levava-os na escola, na praia. Às vezes chorava quando comentavam a falta do pai. Teve uma boa infância, pobre, porém o pai como um arrimo. Prometeu ao Senhor do Mundo cuidar das crianças e mesmo que morresse, pediu que deixasse seu espírito aqui, até os pequenos terem vida própria. Assim poderia olhar por eles.

      O neto assim como a neta só tinha atenção para com ele na hora de ir e vir para escola. Em contrário o celular falava mais alto. E o menino fazia do celular o avô, o pai que faltava, a mãe que não dava atenção. Não era esse o menino diferente e esperto que ele gostaria que fosse. 
      Os ventos não deixavam de soprar entre o tempo e a vida. Era como uma voz falando ao seu coração. Um grito de amor chamado liberdade.

      A despedida foi como o lamentoso apito de um trem partindo. Teve a impressão de ter visto a morte trazendo nas mãos, um trapo roto e velho em aceno. Poderosa era a voz do vento que em dueto com a voz do mar entravam janela adentro do ônibus, lambendo seu rosto e esvoaçando seus parcos cabelos. O caminho do destino estava traçado.

      O cheiro de novas terras entrando pelo nariz. O cheiro da terra com flores, com mato. O cheiro do asfalto quente a zumbir com os pneus dos carros girando. Gente pelas soleiras das portas a espiar. Ruas de terra e cachorros magros passeando pelos caminhos. Lembravam-lhe a infância em correria com os pés no chão. Cantos e recantos pobres e felizes. Líricos e bucólicos onde a poesia, da rima é beleza diante da miséria. Eram essas as lembranças dos rascunhos do seu livro de encantos. Era com essa lembrança de ter sido um menino pobre e feliz. Com o contraste da vida dos netos.
      Partiu velho e enferrujado, tão triste como perder uma paixão. Tão triste como abandonar e deixar no abandono a quem ficava. Por isso a noite os fantasmas lhe chicoteiam no sono, nos sonhos, da vida.

      Vida que enruga sua pele curtida de dores do passado.

       A felicidade lhe embala de amor com sua namorada, os sonhos de editar os livros, cada dia afloram mais. Um já foi editado. Os mais de cem contos e crônicas andam pela internet da vida em blogs a fazer sucesso. Porém, as lembranças e os bons momentos do passado continuam seus principais inimigos.

 

01/04/2019

A VILA DO FIM DO MUNDO

Ah! Estou indo para a vila do Fim do Mundo!

Lá, não quero encontrar ninguém.

Não quero mais te ver também.

Teu sorriso! Nem pensar.

Lá na vila do Fim do Mundo!

Não tem televisão! E rádio!

Também não tem não.

Não vou ouvir mais tua canção e

meu violão! Vendi.

Lá, vou ficar sozinho num cantinho

que fiz só para mim.

Quero escutar meu coração bater.

Lá vou conversar com minha memória.

Sobre essa tua história.

Quero consertar o quebrado da minha vida.

Pedir perdão pelo errado e lá eu quero morrer.

Embora sinta a tua falta.

Quero me esconder de você.

Adoro seu olhar.

Amo teus beijos! Tua boca!

Mas não te suporto! Vestida de louca.

Blasfemando sobre minha vida.

Por isso estou indo, para a Vila do Fim do Mundo.