21/05/2018

O DIA EM QUE PERDI MINHA INFÂNCIA

As malas estavam arrumadas. Olhei para as quatro paredes do meu quarto pintadas de verde-claro caiado, com manchas verdes mais escuras onde havia umidade. O cheiro, quem vinha de fora achava que era mofo, mas não era; era o cheiro do meu lar, de uma casa gostosa, cheiro de uma infância feliz que estava começando a ficar para trás. A sala era caiada de amarelinho e, no canto, um armário de vidro com madeira entalhada. Do jogo de sofás, só me lembro da cor: um azul pálido.
Porta afora, um corredor comprido que chamavam de “área” com o chão de cimento e vermelhão, gasto onde pisavam. No final dele, quatro degraus de escada levavam a um pequeno quintal à frente da casa com um gramado onde eu costumava me deitar para escrever sobre o amor. Sobre o meu amor, que se chamava Esmeralda!

Finalmente, o portão da entrada que me libertava para a rua. Muitas vezes, carregava uma varinha na mão raspando na cerca ripada fazendo barulho, procurando notas musicais no som do trec-trec-trec Minha saudosa ladeira não era íngreme, permitia jogar futebol, bolinhas de gude e mana-mula. As meninas pulavam corda ou cantavam de mãos dadas nas brincadeiras de roda. Encantavam o horizonte os sóis da manhã, da tarde e do final do dia. Quando se escondia atrás dos morros, lá longe, as casas pareciam bem pequeninas com seus telhados avermelhados se assemelhando a miniaturas de vilas de brinquedo.

Com a mala na mão, pronto para a partida, olhei para a rua abaixo, havia umas dez casas de cada lado. Em uma delas, lá estava minha namoradinha no portão olhando ladeira acima me dando adeus com um aceno de mão. Não suportei aquele momento. Minha meiguinha e bonitinha se despedindo
de mim. Se despedindo de longe; era triste. Minhas lágrimas rolaram, senti o salgado delas na boca.
Larguei a mala no chão e pedi para meu pai esperar. Corri ladeira abaixo.
Esmeralda também veio ao meu encontro. Nossos braços se enroscaram, nossos corpos se apertaram e nos demos um beijo de adeus como nunca havíamos dado. Ouvi quando a mãe dela gritava seu nome repreendendo-a; meu coração ficou dilacerado. Esmeralda desceu a rua correndo para casa e ouvi sua mãe vociferando.   Não deu tempo de contemplar seu rosto pela última vez. Só percebi que fazia gestos de limpar os olhos enquanto corria.


Voltei enxugando as lágrimas para onde deixara meu pai. Nos encaramos, seus olhos também estavam marejados e, devolvendo a minha mala, me consolou com voz firme:
-- Sinto muito filho, mas é preciso ir embora, o proprietário vendeu nossa casa.
Recomeçamos a caminhada. Meu pai pousou o braço no meu ombro e nossos passos tornaram-se rápidos. Fui me despedindo das casas do Eduardo, do Luís, do Nicolau... Antes de dobrarmos a esquina, olhei ladeira abaixo e contemplei Esmeralda com os dois braços levantados agitando um último adeus. Respondi com um aceno de mão enquanto um nó amargo se engasgava na minha garganta.

Nunca mais vi Esmeralda, nunca mais fui tão feliz!

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