Ali estava o negrinho Odorico de frente à sua mãe, a
velha Maria, que lhe pergunta:
— É isso que você quer menino?
Odorico assentiu com a cabeça. Maria colocou a pequena
trouxa com algumas peças de roupa, uns pedaços de pão e rapadura nas mãos do
filho.
As lágrimas do pequeno eram de alegria e a mesmo tempo de
tristeza... Saíram porta afora do velho trapiche adaptado para moradia que
ainda cheirava a cachaça. Com o dedo em riste, mostrou o caminho para o filho.
A voz da velha era doída, mas com a sabedoria de quem
aprendera com os Orixás, disse ao menino:
— Vai menino! Aquele é teu caminho e só volte no dia em
que achar o teu sonho. E quando encontrá-lo, venha dividir comigo seu prêmio,
por eu ter confiado em você!
Odorico partiu com o vento zunindo nas costas. No fim da
trilha, olhou para trás à procura da mãe. Não viu nada.
Maria voltou rapidamente para dentro do trapiche, não
quis dar o último aceno ao filho, para não desencorajá-lo. O desespero estava
saindo do coração pela boca. Foi para o pé do pequeno congá, pedir a Iansã que
olhasse pelo menino, agora sem a proteção dela. Pediu também a Xangô justiça
por onde seu pequeno passasse.
O dia terminou na tristeza. Um rio de lágrimas, cascata
salgada, rolava pelo rosto negro de Maria. Pela penumbra da fraca luz do lampião
as lágrimas davam a impressão de prata derretendo.
O punhal da vida estava a poucos centímetros do seu
coração, bastava um pequeno impulso para que a negra sucumbisse. Nos sonhos das
noites Maria percebia os Orixás a rodear sua cabeça e lhe dar esperança. Diziam
a ela que olhavam pelo menino desde o dia da partida. Mas o rumo da vida dele
era guiado pelos ensinamentos do dia a dia que ela havia tinha mostrado. As escolhas do certo e do errado, o respeito,
a lealdade e, principalmente, o amor.
As angústias da negra perduraram longos anos.
Todas as dores, os sofrimentos e a desesperança enchiam o
coração da velha negra de calafrios; a crença em seus Orixás se extinguindo a
cada dia. O corpo já não lhe obedecia pelo desânimo pelas doenças inventadas
pela mente.
Tinha arriscado a vida do menino longe da proteção e do
amor dela; mandara o seu menino para a morte. Agora, nas poucas vezes que
conversava com os Orixás, era para pedir que levassem logo o seu corpo embora. “Por
que castigá-la mais, por que alongar os sofrimentos de uma velha que só tentou
ver o filho vencer na vida?”
O trapiche de cipó e barro já estava aos pedaços com
grandes buracos. As paredes já não continham mais o vento e a umidade, estavam
em frangalhos como o coração dela.
Às tardes, antes do sol se por atrás da linha do mundo, a
Negra Maria sentava-se à porta do trapiche numa tora de árvore muito lisa e
gasta pelo tempo.
Os olhos se perdiam no final da trilha, que levara embora
o seu menino; o vento zunindo acompanhava mais um dia de desgosto. Maria só via,
onde a vista quase não alcançava, um pontinho preto. Os olhos lacrimejados de
esfregar com as mãos viram o ponto preto crescer; a visão vinha envolta na
poeira vermelha da trilha, cada vez maior. Já dava para ouvir o som de um
automóvel a roncar soberano no silêncio daquele fim de mundo.
O carro não era mais miragem e sim uma novidade. Maria só
conhecera aquilo que estava à sua frente quando fora por duas ou três vezes de
sua vida à cidade.
Espantada e assombrada com aquela maquina preta e de
vidros escuros a roncar bem na frente da porta do trapiche, a negra levantou-se
do toco banco amedrontada.
A porta traseira do automóvel se abriu e uma pequena
princesa negra, com os cabelos cacheados, desceu.
Maria pensou: “Será que os Orixás mandaram Ibeji me
buscar?”
A princesa menina respondeu ao pensamento da velha negra
com um sorriso lindo e logo foi dizendo:
— Se você for à Negra Maria, então você é a minha avó!
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Vocabulário
Congá – Altar
Orixás – Deuses Africanos
Xangô – Orixá da justiça
Iansã – Orixá dos ventos e tempestades
Ibeji – Orixá criança
Trapiche – Pequeno engenho de cana de açúcar ou de
azeitonas.
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