Acordava todos os dias com chicotadas de remorsos marcando seu peito. Lágrimas de saudades queimavam seu rosto, quando escorriam. Porém o que estava feito, não tinha volta. As lembranças e os bons momentos, eram os principais inimigos. Era o que mais lhe doía.
Da mesma forma na hora de dormir os pensamentos lhe remoíam o cérebro. Se achava um infeliz, por ter ido em busca dos sonhos e da felicidade, talvez na hora errada.
No passado quando jovem, fez exatamente tudo igual. Deixou tudo de família e a namorada, partindo sem rumo para um desconhecido destino. Não sabendo o que a vida lhe reservava. Nesse outrora os sentimentos, as tristezas e saudades foram vencidas. Sua índole e coerência por ter aprendido a ser leal consigo mesmo lhe ajudaram muito. Encontrou uma pessoa da qual gostou e construiu sua família.
Hoje, porém a situação é a mesma, mas os laços de família diferentes. No passado foram a mãe os irmãos e a namorada amada. No presente as filhas e os netos. Encontrou a namorada do passado e a felicidade que não teve ao lado dela. Trocou de família novamente indo buscar um sonho. Editar um pelo menos dos seus seis livros que estavam em rascunho e mofando numa prateleira.
Passava dias e dias trancado num quarto. Ao seu redor filhas e netos. Não escutava nem um bom dia. Nem um oi. Era como um robô, fazias coisas automaticamente. Se sentia um invisível, um quadro sem moldura e dentro dela a paisagem que não existia.
Um aposentado inútil, sentia que a coragem de viver lhe abandonava. Ao contrário de quando era importante para sua família. Quando tinha um sonho para todos. Quando todos tinham a mesma opinião em ter um pai ao lado.
Hoje percebe que cada um tem sua vida própria. E cada um tem uma opinião e uma mágoa para reclamar do que deu ou não para fazer. Vivendo dentro da mesma família. Desacertos entre certos e errados. Pai pra cá, pai pra lá. Pai isso, pai aquilo. Porquês! Cobranças.
Para tudo! Vocês estão criadas. Tem vida própria. Chega!
Uma aflição, vontade de fugir para qualquer parte do mundo.
Às vezes a filha mais velha ia no quarto, conversavam com o trivial, era a única que lhe dava mais atenção. Os netos mais novos às vezes eram malcriados e lhe faziam caretas pelas costas. Era um velho ranzinza e chato. Assim sua mãe lhe ensinara a ser. Um velho macambúzio e sem alegria, que se perdeu no tempo do passado. Quando criança educada era criança calada.
Outras vezes a neta mais nova o deixava falando sozinho. Mas o neto! Esse sim era um menino diferente e esperto. Conversavam muito quando ele o levava na escola. Adorava conversar com o menino, adorava escutar as conversas dele, os sonhos que tinha na sua cabeça juvenil.
Ele, porém, nunca teve um pai ou um avô para conversar. Desde os sete anos ia sozinho para o grupo escolar.
Pior foi o abandono do pai quando os netos ainda eram pequeninos. Ele se incumbiu de cria-los e aguentar o rojão com o resto da família. Passeava com os pequenos, levava-os na escola, na praia. Às vezes chorava quando comentavam a falta do pai. Teve uma boa infância, pobre, porém o pai como um arrimo. Prometeu ao Senhor do Mundo cuidar das crianças e mesmo que morresse, pediu que deixasse seu espírito aqui, até os pequenos terem vida própria. Assim poderia olhar por eles.
O neto assim como a neta só tinha atenção para com ele na hora de ir e vir para escola. Em contrário o celular falava mais alto. E o menino fazia do celular o avô, o pai que faltava, a mãe que não dava atenção. Não era esse o menino diferente e esperto que ele gostaria que fosse.
Os ventos não deixavam de soprar entre o tempo e a vida. Era como uma voz falando ao seu coração. Um grito de amor chamado liberdade.
A despedida foi como o lamentoso apito de um trem partindo. Teve a impressão de ter visto a morte trazendo nas mãos, um trapo roto e velho em aceno. Poderosa era a voz do vento que em dueto com a voz do mar entravam janela adentro do ônibus, lambendo seu rosto e esvoaçando seus parcos cabelos. O caminho do destino estava traçado.
O cheiro de novas terras entrando pelo nariz. O cheiro da terra com flores, com mato. O cheiro do asfalto quente a zumbir com os pneus dos carros girando. Gente pelas soleiras das portas a espiar. Ruas de terra e cachorros magros passeando pelos caminhos. Lembravam-lhe a infância em correria com os pés no chão. Cantos e recantos pobres e felizes. Líricos e bucólicos onde a poesia, da rima é beleza diante da miséria. Eram essas as lembranças dos rascunhos do seu livro de encantos. Era com essa lembrança de ter sido um menino pobre e feliz. Com o contraste da vida dos netos.
Partiu velho e enferrujado, tão triste como perder uma paixão. Tão triste como abandonar e deixar no abandono a quem ficava. Por isso a noite os fantasmas lhe chicoteiam no sono, nos sonhos, da vida.
Vida que enruga sua pele curtida de dores do passado.
.
A felicidade lhe embala de amor com sua namorada, os sonhos de editar os livros, cada dia afloram mais. Um já foi editado. Os mais de cem contos e crônicas andam pela internet da vida em blogs a fazer sucesso. Porém, as lembranças e os bons momentos do passado continuam seus principais inimigos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário