VIAGEM A SANTOS
No longo inverno de 1.972, em pleno mês de julho. Carlinhos de ossos gelados e recostado a uma cadeira via através da janela o orvalho gelado a gotejar.
A solidão ajudava a gelar seu corpo e sua alma
estava sempre cantando baixinho, músicas que inventava na hora dentro de sua
cabeça.
Eram sempre musicas de amor de solidão de tristeza e
de sonhos que há muito tempo esperava. O sonho de ver sua amada Esmeralda de
volta aos seus braços.
E Carlinhos inventava mais uma canção
LAMPEJOS
Fogo da minha alma.
Paixão que me excita.
Depois me acalma.
Quando me lembro de ti.
Meu coração explode em emoção.
Num lampejo, relâmpago,
Estronda dentro de mim.
a tua visão, como aparição.
Provocando meu sangue.
Fulminando minha energia.
Deixando-me: submisso.
.
São
Paulo Inverno de 1972
Levantou se da cadeira e como um estalo, dentro de sua cabeça, resolveu que estava na hora de mudar de ares. E a mais uma vez resolveu sair de cena. Precisava dar fim na grande tristeza do seu coração, que parecia sardinha enlatada e apertada dentro do peito.
Foi até a empresa onde trabalhava e pediu ao seu
patrão senhor Morgado a sua demissão. O homem indagou a Carlinhos, porque de
tão brusca saída. Este respondeu que não dava mais para viver sem tomar algumas
atitudes.
Estava cansado de se sentir um pedaço de gente incompleta, faltando vida, amor e felicidade. Viver só por viver, qualquer lugar serve. Queria ir para outros lugares
Combinaram todos os acertos finais e o senhor Morgado pediu a Carlinhos que entregasse um carro e seria seu ultimo trabalho naquela empresa.
No dia
marcado Carlinhos chega a uma garagem onde tinham vários veículos estacionados.
Entrou em um determinado colocou o motor em movimento deu uma ré e uma curva
leve até a saída.
Lá estava o senhor Morgado que mais uma vez lamentou
a saída do funcionário e agradeceu se despedindo de Carlinhos pelos serviços
prestados à empresa.
Carlinhos logo passou a dirigir o veiculo numa
estrada quase sem movimento. Seus pensamentos o levaram a ver, que a cada dia
que passava, ficava mais velho. E o tempo fechara a sua porta da felicidade.
Precisava urgentemente, abrir outras portas na vida, antes de abrir à última!
Que podia até ser num repente. A porta da morte!
Depois de rodar por noventa quilômetros, parou num
posto de gasolina. Ao lado do posto tinha um bar acoplado a um pequeno motel,
onde reservou um quarto. Deixou a bagagem e logo voltou ao posto onde deixara o
carro para abastecer e dar um trato na limpeza. Foi para o bar e ali,
acompanhado do início da noite, posse a bebericar e pensar na vida.
Começou a ficar tonto e a cada gole a bebida ia
tomando conta do seu corpo. Finalmente se aborreceu de vez, ao notar que a
garçonete não tirava os olhos dele.
— A nossa alma poderia ser como os nossos móveis né!
Disse ele à garçonete e continuou.
–- Os mudamos de lugar, lixamos para esconder as
farpas da velhice e os envernizamos
novamente. Quem ver os nossos móveis novos dirá!
— Que bonitos móveis! São azuis, lindos,
devastadores e tristes.
— O que moço os móveis? Perguntou a garçonete.
— Não! Os teus olhos! Respondeu Carlinhos.
E tomou o caminho do seu quarto pedindo à moça que
pusesse a despesa na conta. Estava
bêbado, cambaleante e caindo pelos cinco degraus de escada que o levaram a
caminho do quarto. Deitou-se pesadamente na cama e sentiu a cabeça rodar, num
forte tremor no corpo.
Então tudo sumiu perdeu os sentidos, tudo se acabou
como se a vida tivesse consumido aquele corpo que agora estava inerte.
No dia seguinte acordou com forte dor de cabeça, seu
corpo bambeava sobre as pernas, um gosto ocre na boca, a língua pastosa, olhos
ardidos. Estava um caco de xícara que se quebrara.
A garganta seca e que vontade de mergulhar numa
cascata de águas geladas. Foi logo para o banho frio a água começou a fazer
efeito no seu corpo e revigorar a sua alma e a dar novo ar à sua vida. Era um
novo dia começando!
LEMBRANÇAS
Aquela pequena foto que Carlinhos imaginava ter
perdido. Sentou se a beira da cama com a foto entre os dedos e começou a
lembrar dos cabelos lisos, o jeito simples e simpático. Olhos negros combinando
com os cabelos Ligia era uma moça bonita. Fora namorada de Carlinhos. Magrela e
bem torneada. Menina moça ardente e fogosa.
Levantou se vestiu a camisa e saiu do quarto. Estava
louco por um café e com fome suficiente para engolir um leão e assim o fez
saciando a fome.
Voltou para o quarto com ideia de seguir viagem, mas
viu novamente a foto de Ligia e com ela na palma da mão continuou suas
lembranças. Era três anos mais velha que ele, e se conheceram no cais do porto
da cidade de Santos logo que ele chegou de São Paulo para aquela cidade.
No primeiro dia de sua chegada Carlinhos entrou num
bar, levando debaixo do braço uma pequena valise com uma camisa uma calça e um
par de cuecas e uma mixaria em dinheiro que dava apenas para dormir numa cama
limpa ou então comer uma única refeição.
Pediu um conhaque e posse a bebericar em minúsculos
goles, havia outros fregueses no bar falando e contando peripécias, mas
Carlinhos não ouvia ninguém não ouvia nada. Apenas curtia o sabor do seu
conhaque e tinha o pensamento voltado para a amada Esmeralda.
Lembrava com carinho quando pegou na mão dela pela
primeira vez e seu corpo arrepiou se dos fios de cabelos até o final da
espinha, numa sensação gostosa que tomou conta do seu corpo um calor
inimaginável e o seu sorriso de orelha a orelha. Uma vontade enorme de gritar.
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