A tristeza e a longa viagem de volta. Foi dormindo e
se alimentando pouco. Depois de ter passado a noite no sereno, num banco da
estação de trens de Maringá.
Quando chegou à capital de São Paulo, rumou direto
para casa de Luís. Três dias de viagem, levando na bagagem o sonho de amor e a
esperança de um beijo saudoso e amado. Retornou, trazendo a mesma bagagem com a
tristeza, a dor de amor e uma tremenda gripe que o deixara febril.
Vendo o estado lastimável do menino dona Dina.
Resolveu logo a parada. Dando-lhe um chá de limão com alho e dois comprimidos
de Melhoral. Para baixar a dor e febre!
Agora na cama, onde o único consolo e alento, fora a
mãe do amigo que lhe proporcionara, Carlinhos dormiu pensando, como era legal
ser filho de dona Dina:- O chefe deve ser muito feliz com ela.
Quando acordou, tinha uma mão gelada em sua testa.
Era compadre Pedro, medindo se ainda estava febril. Disse!
— Tá não Dina! Já tá pronto prá outra!
Levantou-se, tomou uma xícara de café preto e comeu
cuscuz do norte, de farinha de milho e manteiga. Parecia novo e revigorado.
— Agora seu Calinho! O sinhô vai mi conta
direitinho, essa história di viaja prá tão longe sem ninguém sabê! Dispois eu
decido, se cunverso com seu Caetano, dessa sua arte.
Era compadre Pedro! Pedindo explicações ao menino!
Matreiro o menino se pôs com jeito inocente e
perguntador, para ver se dava uma aliviada na barra.
— O senhor voltou a trabalhar né, compadre Pedro!
Mesmo com a perna mecânica!
— É vortei minino! I só tô vivo graça a corage di
seu pai!
— Acho que não foi coragem dele não compadre! Foi o
coração! Que é maior que o corpo.
— E proque oce acha isso minino!
— Naquele dia ele me disse que teve medo de descer
no poço! Teve medo que as cordas arrebentassem ou que alguns dos homens que
ajudavam, não tivessem força suficiente na hora de içarem vocês dois.
— Então minino, isso num foi corage!
— Eu não sei bem o que é ter coragem! Se for
necessidade ou medo de ter que encarar, para não se dar mal!
— Corage! É o que oce fez minino! Sai de Sum Paulu e
viaja suzinho di trem, inté aquela cidade. Cuma é o nome mesmo!
— Maringá!
— Issu! Viaja di ida i vorta, pur trinti seis hora!
I chega aqui duente, só prá vê uma namorada!
— Sabe compadre Pedro, isso não foi coragem não!
Isso foi à necessidade de ver meu amor! De ver meu sonho a pessoa mais delicada
deste mundo! Foi à necessidade de senti-la ao meu lado, e matar essa saudade
que dói no peito!
— Vichi minino! Qui é isso? Tu tá é enroscado dimais
nessa gamação! Tudo bem meu fio! Num chora mais não!
— Io tamém já tívi um amor minino! Mas não tão forte
iguar o seu. Intão, tu mato a sardade!
— Não compadre Pedro quando cheguei lá, o que vi,
foi para morrer. Por isso é que voltei rápido. Ela vai casar e já tem outro.
— Minino do céu! Qui coisa feia. É coisa di quem num
gosta Calinho! Volti pra cama minino. Vá dormi mais um bucadinho!
Já na cozinha, compadre Pedro disse a dona Dina que
o menino estava muito magoado e não valia a pena contar a seu Caetano a
desventura do filho! Já que tudo estava certo, com ele de volta bastava um bom
corretivo.
— Eitcha Pedo! Tu comoveu cum a cunversa du minino
foi!
— Tá duente de amô, minha véia. A dô é no coração, i
num a dotô nu mundo que cure isso. U tempo vai dizê. Um dia ele arranja outro
amô e ai ele se cura desse. Ai então a paxão vai deixa di se, a inframação do
peito, que ele tá sintindo agora.
Assim foi feito. Quando Carlinhos levantou pela hora
do almoço compadre Pedro, pegou ele de jeito numa conversa, tão séria que o
menino ouviu calado sem dar um pio! E também não poupou o filho Luís por ter
concordado com a maluquice!
Quando Luís chegou do trabalho o almoço já estava na
mesa. Após a refeição os dois se sentaram num pequeno quintal, que ficava nos
fundos da morada.
— Pô! Você contou, para o teu pai da minha viagem!
— Ó! Calinhô, io tinha qui conta! Si désse argum
pobrema cuntigo nu caminho! Quem ia ficá numa pió era eu.
— Quem foi pidi prá tua mãe deixa ocê fica aqui! Foi
eu! Intão eu tinha qui fala pro meu pai.
Prá minha cabeça fica liviada. Mai agora mi conta, purque ocê vorto logo!
— Se pudesse contar isso outra hora! Não dá para
contar sem chorar meu amigo.
— Si é pra oce chora, nóis chora junto. Intão conta?
A narrativa de Carlinhos foi demorada e com muitas
pausas, por várias vezes, Luís também enxugou as lágrimas com os ombros,
molhando a camisa. Vendo o amigo chorar.
— Ó Calinhô vo te dize. Dueu dimais isso qui oce
passo. Não sei qui faze a única coisa é te ajuda a chora, mais tamem num vai
fica a vida toda triste pur causo disso.
— Não vou não amigo! Mais vai demorar, para eu
esquecer a dourada. Se é que vou conseguir, vou tocar a vida em frente. Tenho
muita coisa para fazer este ano. Entre estudar e trabalhar. Meus pais também
estão achando que está na hora de mudar para mais perto do centro da cidade.
Pode ser que a mudança de ares me faça bem!
Os meses iam passando, tudo se modificando dia do
aniversário de Carlinhos. Dezoito anos! Finalmente a idade que tanto esperava
para ser o dono do seu próprio nariz. Um mundo novo estava na frente dele. A
mudança para outro bairro estava definida. Fora com seu pai para ver a casa
nova! Era perto de seu novo emprego também. O colégio ficava a três quadras e
estudar à noite era a grande novidade!
A pequena rua ladeira de terra batida, agora jazia
sem o sol, sem o brilho da sua dourada. A paisagem se tornara feia e grosseira
a rua não sorria mais. O sino de chamada na entrada das aulas do grupo escolar,
não mais badalava. Uma sirene tomara o seu lugar. O padre Nabor fora
transferido. Agora a capela tinha um padre mais gordo e carrancudo. Até o galo
que cantava anunciando um novo dia, fora para a panela num almoço de domingo.
Era realmente a hora de ir embora.
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