Lá na vila do Sem Fim. Morava Eleonor, uma menina negra que era chamada de maluca pela família e vizinhança. Calada com os olhos parados e sempre com o dedo na boca. Seus cabelos carapinhos estavam sempre em pé. Eu chamava de penteado assustado.
Aqueles olhos eu me lembro desde menino. Pareciam sonhar num mundo distante, com anjos e Papai Noel. Parecia estar sempre vendo Deus. Sonhava acordada.
Sua casa era um misto de tijolo de barro e madeiras. O telhado era de sapé. No quintal tinha um fogão a lenha que fumeava o dia todo. Foi tudo construído pelo avô da família. O velho Mário do chapéu de palha amarrotado.
Moravam muitas pessoas naquela casa e tinham várias crianças. Volta e meia um morria, diziam que era de pneumonia.
Às vezes eu via Eleonor brincar de roda com outras meninas. Porém ela não cantava, não sorria e também não ia ao grupo escolar como todas as crianças. Era a maluquinha da casa, da rua e do bairro.
O tempo passou, ali eu cresci e por conta do falecimento do meu pai, já na minha juventude nos mudamos. Nunca esqueci a vila do Sem Fim, com suas ladeiras de terra e socadas de pedra. Nunca esqueci o nome daqueles moradores, cada um feliz ao seu modo.
Um dia já velho andando pelo calçadão da vila da Penha me deparei com uma velha negra, com uma caneta e um caderno roto fazendo anotações, estava em pé encostada em um paredão caiado de amarelo. Seus cabelos brancos e suas vestimentas pretas de trapos, contrastavam ao amarelo. Ao seu lado sacolas com roupas velhas e bugigangas.
Seu corpo era meio arqueado e balbuciava palavras enquanto escrevia. Passei por ela e fui em direção da loja de laticínios. Na volta há vi sentada no chão e recostada na sombreada do paredão,
Ai sim vi aqueles olhos parados e o penteado assustado de Eleonor. Não me contive! Vontade de falar com ela não me faltou, porém pensei.:- Será que ela vai lembrar de mim.
Teimoso acendi um cigarro e parei a um metro e meio dela. Escutei as suas balbucies.
--- Sí eu tinha um dinheiro na minha mão! Compava uma zeladera pa num azeda a mamadera du Pretinho. Se eu tinha istudado e formado dotora eu ia sarva tia Zélia da catapora i da pimononia. Ia curá o zóio do meu irmão feinho Arthur. Eu ia opera pra ele num ficá cego. Ô Deus! Mai u Sinhô levo tudo imbora! Me dexo só.
Chorei ao ouvir isso! Todas as pessoas que ela falou o nome eu as conheci quando menino. Puxei do bolso da calça algum dinheiro e estendi a mão na direção de Eleonor para que ela pegasse. Fez uma cara feia e bicuda e foi me dizendo com a boca sem dentes.
--- Num carece não! Eu já armocei! E vê si u ce para com o cigarro! Teu pai morreu por isso.
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