A
CONVERSA DIFÍCIL COM SEU CAETANO
Seu Caetano já notara por aqueles dias o filho
calado e achou que estava na hora do menino partir, para novos horizontes.
Chamando-o para uma conversa.
— Filho chegou a hora de trabalhar e estudar ao
mesmo tempo. Eu com a sua idade já trabalhava, portanto acho que chegou a tua
hora! Na semana que vem vamos preparar a tua identidade e a carteira
profissional.
— Você vai se sentir melhor, o tempo vai passar mais
rápido. Você vai conhecer outras meninas da sua idade. Porque tenho medo filho,
dessa sua paixão pela sua namorada. Isso ainda pode me dar uma dor de cabeça
muito grande.
— Desculpa pai! Mas é difícil evitar esse amor!
— Eu sei disso filho! Já fui menino como você! E
quando isso acontece todo pai, tem obrigação de conversar com o filho e colocar
lhe um cabresto se necessário. Sou muito novo para ser avô e você ainda não tem
formação para ser pai. Por isso não estrague nossas vidas e nem a da tua
namorada. Estou lhe dizendo isso com a experiência de um homem. Certo dia eu
percebi como essa menina olha para você e os olhos dela não conseguem mentir os
desejos guardados no peito. Portanto é a minha hora de tomar as providências e
cumprir a minha parte de pai.
— Me dá um abraço e pensa no que acabei de lhe
dizer.
Carlinhos abraçou seu pai e por dentro sorriu. Como
era gostoso abraçar o pai. Aquele cheiro de pai amigo! Há! Se a sua loirinha
estivesse ali naquele momento, para ele abraçá-la junto com seu pai.
Passaram-se alguns dias e os documentos estavam
prontos, enfrentaram várias filas e burocracias da época. Carteira
profissional, um documento que tanto orgulhava o trabalhador e o não menos
orgulhoso Carlinhos o exibia aos meninos da rua. Era como um gibi, todos
folhearam o documento com um monte de páginas brancas. Anotações de férias,
licenças medicas e aumento de salario. A molecada pedia explicações de como
fazer, para tirar os documentos e o professor Carlinhos, explicava com orgulho.
Agora levantava às cinco da manhã, pegava o ônibus
para a admissão. Entrava as sete no colégio Rui Barbosa e às treze horas
entrava no trabalho.
Os dias se tornaram cheios e corridos. Não dava
muito tempo para pensar em Esmeralda, então todas as noites guardava a amada
nas suas lembranças. Os Estúdios Debaixo das Cobertas, por cansaço e falta de
da atriz principal encerraram as apresentações noturnas. Só ficaram as folgas
do sábado e domingo, mas nada mais tinha graça, até as brincadeiras da rua e a
bola! Linda e gorducha, tudo começou a ficar no esquecimento. Para piorar a
coisa, o chefe, e amigo Luís estava de mudança marcada. Assim se aproximava o
final da infância. A feliz história do cantinho florido de um menino, que como
poucos, viveu dentro de um conto de fadas, com todos os encantos e essências
que a vida lhe deu.
Só aguardava agora a volta da amada para lhe mostrar
os sapatos pretos Vulcabrás e as calças compridas, azul-marinho que usava, para
o colégio e trabalho. Agora ele se sentia um homem-feito. E se espelhava no
pai. Com um andar altivo e elegante, era um rapaz agora.
Uma noite chegando do trabalho soube por Adélia que
a família da amada havia voltado de Maringá e antes que pudesse dar seus
ataques de felicidade gritar ou dançar. Chorou! A dourada não veio. A doença da
avó lhe comia o corpo cansado e não restava mais esperança de vida para aquela
senhora! A loirinha ficara para dar conforto ao avô e ajudar nos afazeres da
casa.
Sentados no portão da casa de Adélia eles
conversavam e Carlinhos remoía a tristeza que se abatera sobre seu corpo.
Um balão todo colorido aparece no céu e explodindo
vários fogos de artificio a sua volta.
— Olha Carlinhos! Que lindo. Diz Adélia!
Carlinhos não olha, não vê nada, não escuta nada.
Com lágrimas nos olhos se despede da amiga, que se emociona e lhe diz.
— Carlinhos! Se eu pudesse seria a tua dourada, só
para não te ver triste desse jeito. Ele agradeceu à amiga e subiu a ladeira a
caminho de casa. Chegando ao portão sentou de no degrau da entrada e chorou
copiosamente, como se tivesse perdido a mãe morta.
Deitou a cabeça no degrau de cima, viu o balão no
céu que seguia a trajetória do vento e divagou.
EXPLODE
CORAÇÃO
Explode balão no céu. Explode coração.
Grito sufocado, na garganta doída.
De um menino apaixonado.
Por uma amada perdida.
Estrelas! Milhões delas!
Eu só queria uma, só a minha.
Desse veludo céu, brocado.
Para acalmar meu coração
Que explode de tristeza...
Lembrando
Maria Esmeralda
Vila
Ré – São Paulo – 1.966
Ele ainda tinha vivo na memória à lembrança o sabor
do beijo mordido da leoa dourada, faminta de amor. O apaixonante êxtase que
proporcionara a ela um dia antes da partida. Podia sentir os pontiagudos e
pequenos seios da amada a lhe furar o peito e as palavras desconexas de amor,
que ela balbuciou, quando ele à levou aos céus, com o simples toque de suas
mãos. Presente divino para guardar na memória até o dia de morrer. O balão mais
uma vez explode os seus fogos e junto leva o coração menino. A dor do amor é
forte no peito. O sereno da noite já umedecia seus cabelos e no primeiro
espirro resolveu entrar para casa, era melhor dormir para esquecer a dor. O
luar de prata da lua brocava as nuvens seus raios de luz. Novamente o menino
divagou sentindo completo abandono de amor.
LUA
LUAR
Ah!
Essa sua magia de encantos.
Que
me deixa em prantos! A suspirar.
Traz
tua prata para os meus olhos.
Para
eu sonhar. Te namorar
Contagia-me
com tua solidão calma.
E
silenciosa penetras iluminante
Com
teus raios na minha alma.
Em
soberana beleza, linda e apaixonante.
Queria
eu, poder abraçar-te.
Dar-lhe
a energia, que meu corpo exala.
Fazer-lhe
um carinho na face.
Quando
teu afago de prata embala.
Meu
coração desolado e apaixonado.
Versos de inverno
Lembrando Maria
Esmeralda.
Vila Ré – São Paulo 1.966
Os dias passavam muito rápido para o ocupado
Carlinhos, que volta e meia após o trabalho se encontrava com Adélia e Marilam.
As duas ficaram muito amigas depois da partida da dourada. E para variar o
assunto era sempre Esmeralda. Ele pedia
noticias da amada e tinha como respostas as mesmas evasivas de sempre. Havia
escrito duas cartas para ela e nada de resposta. Nem uma linha de novidade.
Tudo o que tinha de bom no coração parecia estar se desfazendo, muita era a dor
da saudade e pouca a esperança.
Certo dia Adélia lhe contou que a avó da dourada
falecera e como consequência, o avô ficara muito abalado e doente. Era melhor
que o menino esquecesse a dourada, porque agora é que ela não ia mais voltar
mesmo.
Carlinhos disse a amiga.
— Que droga? Cada dia as coisas pioram. E sempre
para o meu lado. Oh meu Deus! Será que sou tão ruim assim. É muito castigo.
— Quer saber Adélia? Sê: ela não vem! Eu vou até
ela. Veja se você consegue o endereço dela! Pois estou desconfiado que as
cartas que escrevo, vão para o lixo. O dia que ela foi embora, pedi ao Luís que
lhe entregasse um bilhete, para que ela me desse o endereço de Maringá. Mas o
idiota do Flávio atrapalhou tudo!
— Coitado do Luís! Disse Adélia.
--- Aquele dia o Flávio de um soco nele e o jogou no
chão.
— Como assim amiga! Que historia é essa.
— Ai Carlinhos! Falei besteira.
— Besta sou eu! Que não sei de nada disso. Agora tu
me contas essa história! Exatamente como foi.
— Oh Carlinhos! Eu estava bem pertinho da Esmeralda,
quando o Luís chegou e entregou o bilhete para ela, a coitada não teve nem
tempo de abrir o papel! O Flávio empurrou-a para dentro do carro, depois pegou
o Luís pelo pescoço dando-lhe, um tapa na cara e com o colar que você deu para
ela nas mãos, arrebentou e jogou tudo no chão. O bobo do Luís ainda pegou um
monte de bolinhas e pôs no bolso.
--- Fiquei com tanta pena do teu amigo e com o
coração doído.
Carlinhos bufou de ódio e algumas lágrimas
escorreram pelos olhos. Impressionado com o relato da amiga e mais ainda, com a
lealdade do amigo Luís, que sofreu sozinho essa dor.
Aborrecido Carlinhos se despediu de Adélia.
No dia da mudança de Luís, Carlinhos estava
trabalhando, haviam se despedido na noite anterior e Luís deixara seu endereço
com o amigo.
Lembrou-se de ter perguntado ao amigo se não tinha
esquecido nada, ou de contar alguma coisa, algum segredo, antes de mudar!
— Oh! Calinhô! Quando chega u dia certo! Vô conta
prá ocê um segredo. Foi essa a resposta que teve do Luis..
Pronto agora era o fim mesmo, do bom tempo de
criança.
O último nó da infância acabava de desatar na vida
do menino poeta. A partida do amigo leal e companheiro, para qualquer encrenca.
Doía no peito, parecia à morte de um irmão. Agora trabalhar e procurar esquecer
o passado, mas a dúvida era. Será que vai ser tão gostoso viver como foi até
três dias antes do Ano Novo!
Só o tempo dirá, mas antes uma pequena vingança
rondava a cabeça do menino. Precisava a todo custo, que até se tornou uma
questão de honra. Vingar o que Flávio havia feito com Luís. O amigo fora lhe
prestar um favor, apanhou sem culpa e sofreu calado. Carlinhos pensou:- Muito
homem esse cara! E é, meu grande amigo! Vale a pena arrumar uma encrenca por
conta disso.
Por várias noites sondou a chagada de Flávio, quando
este vinha do trabalho. Naquela rua que ele conhecia como a palma da mão. À
noite, os esconderijos de quintais eram perfeitos. A coisa se deu numa noite de
lua mais escura!
O esconderijo era perfeito. Ao passar em frente ao
quintal claro da casa de Eduardo que era um dos moleques da rua. Flávio recebeu
um baque nas costas e chegou a urrar de dor, virou se para procurar o que fora
e nada viu. No segundo grito! Abaixou a cabeça à altura da cintura, pois
novamente tomara um segundo baque, uma dor forte e ardida, lhe pegara na região
da barriga. Levantou a cabeça e blasfemando palavrões de tudo quanto era jeito.
Escutou um sibilar rente ao ouvido. Ai percebeu que a coisa era séria e correu
feito louco ladeira abaixo. Ainda pode ouvir mais um pipoco que pegou no portão
de ferro da casa de Adélia que era vizinha a sua!
Entrou em sua casa e sumiu porta adentro.
Carlinhos ainda ficou bem uma meia hora no seu
esconderijo, para depois sair e ir em direção contraria a sua casa. Deu a volta
no quarteirão. Só para passar enfrente a casa a sua amada e ver se via a cara
do Flávio no alpendre, que estava com a luz acesa. Não viu nada! Deu-se por
satisfeito, sorridente e vingado do vexame que o seu amigo passara! Agora
também tinha a contar um segredo para o chefe, quando o encontrasse. Entrou em
casa feliz. Mas antes escondeu o estilingue e as bolinhas de gude que carregava
no bolso. Se dona Consuelo o visse com um estilingue nas mãos. Com certeza a
surra seria feia.
Os dias longe da amada eram semanas. E as semanas
viraram meses e os meses formaram outro ano. E veio o Natal. Muito triste, sem
a loirinha dos cabelos de corda, sem o amigo Luís e nem a festa de Natal do seu
Olavo, teve graça. Tudo a mesma coisa. Carlinhos lembrou a dança da chuva do
ano passado, quando vira pela primeira vez o corpo da amada, debaixo do vestido
branco, molhado e colado no corpo.
Lembrara-se do tremor que teve quando ela pegou sua
mão e saíram a dançar na chuva. Aquele sorriso tão doce e meigo. Era presente
de Natal, para ninguém botar defeito.
Hoje! Hoje nada era encantado, nem os sapatos novos
que ganhara de papai Noel o fizeram sorrir.
Viu Adélia e Marilam dançando, embaixo da lona na
casa do seu Olavo e notou que a irmã mais nova da amada, estava ficando bem
parecida com ela. E pensou:- Tomara que ela não seja tão infeliz quando tiver
um namorado. E se eu estiver por perto e o cara não for legal! Boto para
correr!
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