Ela passara o último Natal e Ano Novo
somente com a filha a lhe fazer companhia. Restavam só as duas, uma família
dizimada pelo tempo.
Partiram para outra esfera pai e mãe, o
marido se fora também, fim de um amor fracassado. A tristeza se fazia presente
dentro daquele coração como uma doença que talvez não tivesse mais cura, uma
esperança muito longe, um remédio que não tinha mais receita.
Encontrei-a triste como em uma
fotografia gasta pelo tempo. Seus olhos já não tinham mais vida. Olhei-a de
cima a baixo procurando uma centelha de luz naquele corpo cansado da vida.
Achei no canto da boca um pequeno e tímido sorriso.
Com o passar dos dias fui dizendo-lhe
bom dia e sorrindo. Vi aquele corpo de setenta anos, desfilar um pouco mais
belo, imponente tal qual ao de uma garota nova com um andar mais chamativo
perante aos olhos dos jovens.
Do canto da boca, seu sorriso cresceu
para os lábios, que agora já se enfeitam com um batom vermelho rosa. O mesmo
odor rosa exala de seu corpo. O cansaço do desamor já não é mais uma dor.
Agora vejo uma velha-menina serelepe, que
parece gingar como uma cabrocha em dia de samba. Vejo um sorriso procurando
outros sorrisos para se dizerem bom dia. Vejo pessoas que se despedem dela e já
sentem saudades. Vejo uma tremenda mulher, um furacão de sensualidade que me
faz delirar a cada abraço, cada beijo. Vejo a vida de uma forma tão feliz e
eloquente, que perante testemunhas, enlacei meus braços em volta seu corpo, como
uma aliança.
Pedi-lhe em casamento durante um
almoço e vibrei de alegria. Seu sim foram lágrimas de emoção e felicidade.
Quando olhei para as testemunhas, elas brindavam com o que tinham nas mãos: pratos,
copos, talheres e muitos sorrisos acompanhados de vivas e parabéns.
E agora, com nossos setenta anos, demos a
volta por cima na vida.
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