Um dia na sala de aula minha professora dona Dinah, abriu um livro de poesias e começou a explicar para os alunos o que eram, odes e rimas poéticas. Falou dos grandes mestres da poesia. Entre eles Machado de Assis. Castro Alves e outros. Explicou aos alunos como transformavam tudo em poesia, até uma vírgula era motivo para poetar. Explicou também aos alunos sobre as poesias românticas que falavam de amor, sonhos e esperança. A importância das rimas. Eu me interessei pelo assunto, e dona Dinah me vendo tão compenetrado na aula perguntou-me, se eu seria capaz de fazer um verso de quatro linhas naquele momento. Os outros alunos se espantaram quando assenti com cabeça dizendo sim.
— Muito bem Carlinhos! Dou-lhe então,
cinco minutos. Está bem! Novamente assenti com a cabeça em sinal de tudo bem. Compenetrado
peguei o lápis, rabisquei o caderno, depois apaguei e tornei a escrever, e apaguei
de novo escrevendo outra vez. Levantei a mão em sinal à professora dizendo
estar pronta a poesia.
— Muito bem Carlinhos! Então leia a sua
poesia para a classe!
Levantei-me
com o caderno nas mãos e de vós trêmula, iniciando a declamação da minha ode.
—
Vírgula! Um sinal curvo,
na
mesma linha da palavra!
Que separa a frase!
Como se fosse, uma trava!
Ouvi um burburinho geral na classe,
alguns riram e outros ficaram admirados.
—
Muito bem Carlinhos! É um verso estilo Manuel Bandeira, que implantou no Brasil
o modernismo poético. Disse a professora!
Perguntei-lhe então o que era o
modernismo poético.
— Modernismo poético Carlinhos! É a
poesia, que já não tem mais muitas rimas ou muito lirismo! É feita com um verso
mais livre, com tendências para se poetar em torno de qualquer coisa ou mesmo,
até um objeto. Assim como o teu verso da vírgula. Quero dizer que a poesia já não é mais tão
melosa, como antigamente e também já não se emprega mais aquele português
arcaico. Com o passar das aulas vou
explicando tudo isso a vocês.
A pequena ladeira era de terra batida,
socada de pedras para não patinaram os pneus dos carros nos dias de chuva.
Haviam poucas casas e muitos terrenos baldios. Éramos a decima família a mudar-se para
aquele fim de mundo. Nos sentíamos os colonizadores do local.
Ali cresci e fiz do fim de mundo o meu
paraíso. Numa das casas lembro bem morava dona Dinah! Minha professora. Mulher
de pouca fala, devia ter seus trinta e poucos anos. Era bonita e tinha a
juventude a flor da pele. Era a mãe do meu amiguinho Marcos.
Dona Dinah era uma das poucas mulheres a
ter um rádio em casa. As luzes eram de lampião, mas o rádio funcionava a
bateria.
Às vezes na parte da tarde eu ia brincar
na casa do Marcos só para ouvir o rádio.
LOCUTOR: - E vamos apresentar agora UM
PIANO AO CAIR DA TARDE. Música e poesia para sua hora de paz do dia. - Era
maravilhoso ouvir o piano tocar entremeado a poesia, aí eu chorava.
LOCUTOR: - Sob o patrocínio de MELHORAL
que é melhor e não faz mal. Apresentamos na voz da poetiza Ana Ramos!
VERSOS DE AMOR.
Aí vinha uma poesia na voz da mulher que
declamava. Como se estivesse vivendo a cena. O piano entrava dando um
verdadeiro teatro a poesia.
Um
dia dona Dinah me pegou chorando. Veio perguntar-me se eu havia brigado com
Marcos, ou estava sentindo alguma dor. Envergonhado respondi-lhe que era por
causa da poesia que eu acabara de ouvir.
Ela me disse que o que eu sentia, tinha
que passar para o papel. E que quando eu crescesse poderia ser poeta ou talvez
escritor. Mas me alertou que eu nunca perdesse o encanto. Eu não sabia bem o
que era isso. Mas até hoje quando escrevo lembro-me das palavras de dona Dinah.
Com o passar do tempo e com minha maior
frequência em seu quintal a severa, mas doce professora foi me mostrando no dia
a dia e nos livros, tudo o que eu lhe perguntava sobre poesias e histórias que
vinham nos livros.
Às vezes eu escrevia coisas bonitas, mas
achava-as tolas. Quando dona Dinah as lia já vinha com um lápis da ponta
vermelha fazendo a correção e palpitando. Me explicando o que podia e o que não
podia. Na realidade sou muito grato a ela pelo empenho de lapidar o meu futuro.
Eu guardava todos os meus desenhos,
papéis e rabiscos. Outras vezes eu ficava até mais tarde no quintal de dona Dinah.
Escutando o que toda molecada adorava. JERONIMO O JUSTICEIRO DO SERTÃO. Depois
vinha a HORA DO BRASIL um falatório enjoado que não acabava nunca. Algumas
vezes escutei a novela O DIREITO DE NASCER.
Por vezes escrevi poesias em verso livre
ou rimado, depois ao lê-las eu imitava o locutor da rádio.
LOCUÇÃO
Amor
menino.
Amor moleque.
Amor divino.
Amor criança a escutar o galo na infância.
Amor das
brincadeiras e dos risos.
Das mulheres fofoqueiras
A tagarelar no portão.
Amor de fantasia, de perder o
olhar num sonho.
Como a
águia a planar na imensidão.
A procurar no
mundo, a esperança.
Onde o brinquedo da criança! É a imaginação.
IMITANDO
O LOCUTOR --- E sob o patrocínio de talco ROSS que refresca e suaviza!
Despede-se este locutor que vos fala.
Carlos Alberto Paduan.
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