As malas estavam arrumadas. Olhei para as quatro paredes do meu quarto pintadas de verde-claro caiado, com manchas verdes mais escuras onde havia umidade. O cheiro, quem vinha de fora achava que era mofo, mas não era; era o cheiro do meu lar, de uma casa gostosa, cheiro de uma infância feliz que estava começando a ficar para trás. A sala era caiada de amarelinho e, no canto, um armário de vidro com madeira entalhada. Do jogo de sofás, só me lembro da cor: um azul pálido.
Porta afora, um corredor comprido que chamavam de “área”
com o chão de cimento e vermelhão, gasto onde pisavam. No final dele, quatro
degraus de escada levavam a um pequeno quintal à frente da casa com um gramado
onde eu costumava me deitar para escrever sobre o amor. Sobre o meu amor, que
se chamava Esmeralda!
Finalmente, o portão da entrada que me libertava para a rua.
Muitas vezes, carregava uma varinha na mão raspando na cerca ripada fazendo
barulho, procurando notas musicais no som do trec-trec-trec. Minha saudosa ladeira não era íngreme,
permitia jogar futebol, bolinhas de gude e mana-mula. As meninas pulavam corda
ou cantavam de mãos dadas nas brincadeiras de roda. Encantavam o horizonte os
sóis da manhã, da tarde e do final do dia. Quando se escondia atrás dos morros,
lá longe, as casas pareciam bem pequeninas com seus telhados avermelhados se
assemelhando a miniaturas de vilas de brinquedo.
Com a mala na mão, pronto para a partida, olhei para a rua
abaixo, havia umas dez casas de cada lado. Em uma delas, lá estava minha
namoradinha no portão olhando ladeira acima me dando adeus com um aceno de mão.
Não suportei aquele momento. Minha meiguinha e bonitinha se despedindo
de mim. Se despedindo de longe; era triste. Minhas lágrimas
rolaram, senti o salgado delas na boca.
Larguei a mala no chão e pedi para meu pai esperar. Corri
ladeira abaixo.
Esmeralda também veio ao meu encontro. Nossos braços se
enroscaram, nossos corpos se apertaram e nos demos um beijo de adeus como nunca
havíamos dado. Ouvi quando a mãe dela gritava seu nome repreendendo-a; meu
coração ficou dilacerado. Esmeralda desceu a rua correndo para casa e ouvi sua
mãe vociferando. Não deu tempo de
contemplar seu rosto pela última vez. Só percebi que fazia gestos de limpar os
olhos enquanto corria.
Voltei enxugando as lágrimas para onde deixara meu pai. Nos
encaramos, seus olhos também estavam marejados e, devolvendo a minha mala, me
consolou com voz firme:
-- Sinto muito filho, mas é preciso ir embora, o
proprietário vendeu nossa casa.
Recomeçamos a caminhada. Meu pai pousou o braço no meu
ombro e nossos passos tornaram-se rápidos. Fui me despedindo das casas do
Eduardo, do Luís, do Nicolau... Antes de dobrarmos a esquina, olhei ladeira
abaixo e contemplei Esmeralda com os dois braços levantados agitando um último
adeus. Respondi com um aceno de mão enquanto um nó amargo se engasgava na minha
garganta.
Nunca mais vi Esmeralda, nunca mais fui tão feliz!
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