A pequena ladeira era de terra batida, socada de pedras para não patinaram os pneus dos carros nos dias de chuva. Haviam poucas casas e muitos terrenos baldios. Éramos a decima família a mudar-se para aquele fim de mundo. Nos sentíamos os colonizadores do local.
Ali cresci e fiz do fim de mundo o meu paraíso. Numa das casas lembro bem morava dona Santinha. Mulher de pouca fala, devia ter seus trinta e poucos anos. Era bonita e tinha a juventude a flor da pele. Era a mãe do meu amiguinho Marcos.
Dona Santinha era uma das poucas mulheres a ter um rádio em casa. As luzes eram de lampião, mas o rádio funcionava a bateria.
Às vezes na parte da tarde eu ia brincar na casa do Marcos. Uma boa desculpa que eu inventava para poder ouvir o tagarela.
LOCUTOR: - E vamos apresentar agora UM PIANO AO CAIR DA TARDE. Música e poesia para sua hora de paz do dia.
Era maravilhoso ouvir o piano tocar entremeado a poesia, aí eu chorava.
LOCUTOR: - Sob o patrocínio de MELHORAL que é melhor e não faz mal. Apresentamos na voz da poetiza Ana Ramos! VERSOS DE AMOR.
Aí vinha uma poesia na voz da mulher que declamava. Como se estivesse vivendo a cena. O piano entrava dando um verdadeiro teatro a poesia.
Um dia dona Santinha me pegou chorando. Veio perguntar-me se eu havia brigado com Marcos, ou estava sentindo alguma dor. Envergonhado respondi-lhe que era por causa da poesia que eu acabara de ouvir.
Ela me disse que o que eu sentia, tinha que passar para o papel. E que quando eu crescesse poderia ser poeta ou talvez escritor. Mas me alertou que eu nunca perdesse o encanto. Eu não sabia bem o que era isso. Mas até hoje quando escrevo lembro das palavras de dona Santinha.
Às vezes eu escrevia coisas bonitas mas achava-as tolas. Mesmo assim guardava meu desenhos, papéis e rabiscos. Outras vezes eu ficava até mais tarde no quintal de dona Santinha escutando o que toda molecada adorava. JERONIMO O JUSTICEIRO DO SERTÃO. Depois vinha a HORA DO BRASIL um falatório enjoado que não acabava nunca. Algumas vezes escutei a novela O DIREITO DE NASCER.
Por vezes escrevi minhas poesias e imitava o locutor da rádio.
Amor menino.
Amor moleque.
Amor divino.
Amor criança a escutar o galo na infância.
Amor das brincadeiras e dos risos.
Das mulheres fofoqueiras
A tagarelar no portão.
Amor de fantasia, de perder o olhar num sonho.
Com a águia a planar.
Procurando no mundo da alegria.
Onde o brinquedo criança! Era a imaginação.
E sob o patrocínio de talco ROSS que refresca e suaviza. Despede-se este locutor que vos fala.
Carlos Alberto Paduan.
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