Capitão Paulo faz questão de ser chamado pela patente que tinha antes de se aposentar há muitos anos; é sindico do condomínio popular em frente a um mercadinho onde, aos domingos, muitos moradores se reúnem para comprar frango assado e tomar umas cervejas antes do almoço. É um velhote ranzinza, sua mulher é uma matrona implicante, sempre suada e despenteada, pernas com varizes e hálito fedendo a alho.
O dia inteiro de paletó e gravata, usa um chapéu de palha com uma fita preta, resmungando e fazendo questão de mostrar sua autoridade quando anda pelo prédio fiscalizando a altura das saias das empregadas domésticas. Um chato, todos os funcionários e moradores são vítimas das suas exibições de poder.
Neste domingo, saiu do prédio e atravessou a rua; carregava na mão uma sacolinha de plástico com enfeites de margaridinhas; se encostou no balcão e ordenou uma pinga. Tudo mais ou menos normal se não vestisse um uniforme camuflagem e calçasse coturno, mas ainda com seu chapéu de palha e fita preta.
Sem se importar se estava sendo ouvido ou não, começou um discurso irado contra sua mulher.
- Nos domingos gosto de ir para a cozinha e fazer umas comidinhas com o meu tempero suave, porque minha mulher carrega no alho e eu como arroz com alho, feijão com alho, bife com alho e só falta o alho na sobremesa. Então, abro uma cerveja, fico a cozinhar e ao mesmo tempo planejando ou pensando em criar novas regras para a moralidade do condomínio.
Os fregueses do mercadinho foram se agrupando em volta do síndico, balançando a cabeça e trocando olhares divertidos. Ele continuou:
- Sabe o que minha mulher faz? Me aporrinha...
- Paulinho! Tá contemplando o quê aí parado?
- Nada não, mulher!
- Quantas cervejas já tomou, Paulinho?
- Ainda não abri nenhuma. Sempre que abro levo um copo prá você, isso há mais de quarenta anos. Você nunca reparou, né?
Olhou à volta, esperando simpatia, e imitando o grasnar de sua esposa:
- Deixa de besteira, vá já comprar duas cabeças de alho que acabou o meu. Agora!
Deu um soco no balcão, tomou de um trago a pinga do cálice, em posição de sentido esticou o pescoço para o alto e deu seu grito de independência:
- Basta! De hoje em diante, quem dá ordens naquela casa, no condomínio e na minha vida sou eu.
Na portaria do condomínio sua mulher berrou para ele:
— Pauliiiinho... cadê o alho que eu te pedi?!
Altivo, foi até a prateleira, pegou duas cabeças de alho, colocou na sacola de plástico que trouxera e atravessou a rua com passos garbosos como se estivesse em uma parada militar.
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