17/11/2018

UM CORPO ESTENDIDO NO PORTÃO

Uma lua cheia dava penumbra à escuridão. Nunca vira silhueta tão bela no prostíbulo. Sua beleza era como, uma paisagem noturna. Era um martírio tanta beleza, sem poder tocar.

Sua musa ficava no topo da escadaria externa, que terminava numa área do andar superior, do velho casarão que no passado fora a suntuosa mansão do Barão Du Noihá.

Ele dormia há anos, numa cama de mosaico português, forrada de papelão, embaixo de uma porta comercial. Cujo o prédio abandonado, exibia à frontaria, paredes esburacadas e arruinadas pelo tempo. Dali da sua cama que ficava do outro lado da rua em frente ao casarão prostíbulo. Assistia as mulheres oferecendo o corpo e caricias por um dinheiro amassado e nojento, que passava de mão para mão, indo direto para os cofres dos seios caídos, ou sustentados por velhos rotos e desbotados espartilhos.

Assim como gastos e enferrujados eram aqueles corpos femininos. Dali da sua cama camarim, o mendigo assistia todas as noites o teatro da prostituição. Via as mulheres a cantar e gargalhar, com danças que julgavam ser sensuais. Cada uma na sua coreografia, a chamar e atrair machos para o primeiro ato do espetáculo.

Lá no alto da escadaria a sua musa a gingar o corpo num bailado inebriante. Não cansava de assisti-la! Todas as noites a musa dançava para ele.

Num dia de esmola recheada, tomou um banho, cortou os cabelos e a barba e colocou a melhor roupa que estava guardada na sua mala que fedia a mofo. Aguardou a chegada da noite. O teatro se formou as damas da noite saíram dos quartos fétidos do prostibulo, tomando suas posições.

Um gole de cachaça no gargalo da garrafa esquentou seu o corpo, já no segundo, criou coragem. Levantou-se da cama de mosaico, atravessou a rua e começou a subir a escadaria em direção a sua musa. E lá em cima no último degrau da subida! Ofereceu-lhe a garrafa,

Ela aceitou e um gole tomou, fez uma careta pelo sabor que lhe queimou a garganta e abrindo os braços rebolou para o mendigo. Ele abraçou-a. O cheiro do laquê velho, impregnou-lhe o nariz, passou-lhe o dedo na boca borrando o carmim! A musa fingida tremeu fungando seu ouvido, colou os peitos no peito másculo dele.

O mendigo gemeu de satisfação! Sentiu o cheiro azedo do leite de rosas, naquele abraço. Um afago que há anos estava sufocado e guardado no cofre do sentir e na saudade do corpo, judiado pela vida mendiga. Numa espera de anos e anos, ali estava o seu prêmio. Como o doce da infância.

A musa pediu-lhe o dinheiro. A resposta foi seca.

— Não tenho!

Um empurrão!

Desequilibrado, tentou segurar-se em algo. Segurou num vazio. Seu corpo projetou-se, escada abaixo. Rolando no granito velho e sebento dos degraus. Terminou na soleira do velho portão de ferro, num barulhento baque de lata.

Por alguns segundos, inerte. Depois os olhos se abriram.

A musa indolente e insensível estava no alto do seu trono a olha-lo com desdém.

Ele sorriu, vendo a amada a visão. Suspirou, fechou os olhos! Levando para a escuridão final a fotografia do seu amor.

 

 

 

 

 

 

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