Enquanto esperava Igor para irem juntos para o trabalho Carlinhos viu da porta do hotel um velhinho de calças largas. Todas as manhãs ele via o velhinho mas só hoje reparou os passos curtos e arrastados e uma idade dos setenta e tantos anos para cima.
Enquanto esperava Igor para irem juntos ao trabalho
Carlinhos na porta do hotel viu o velhinho de calças largas. Todas as manhãs
ele via o velhinho, mas só hoje reparou os passos curtos e arrastados e uma
idade dos setenta e tantos anos para cima. velho O velho carregava um grande e
pesado fardo para sua avançada idade. Mas com prazer satisfação e sorriso no
rosto. O ancião olhou para os dois lados da rua sem movimento antes de
atravessar e com o olhar fixo no chão para que nada o fizesse tropeçar. O fardo
que carregava abraçado ao peito era mais importante que sua vida. Era o fruto
da raiz que ele plantara. Era a colheita da
alegria a felicidade. Como de costume o velho entrava no armazém mais
antigo do bairro, colocava o fardo no chão e respirava profundamente pelo
esforço feito até ali.
O
vendeiro olhava para o fardo e perguntava!
— Que doce você quer!
E o fardo do velho tira o dedo indicador branco como a neve
da boca e aponta para a cocada preta! O vendeiro serve a cocada! O velho, com
as mãos trêmulas leva o dinheiro às mãos do vendeiro. Depois abaixa se pega o
seu pequeno fardo e atravessa a rua no mesmo passo que fora. Passa por
Carlinhos cumprimentando o e segue seu
caminho com a neta de boca borrada de cocada preta.
Carlinhos olha para
o céu. O sol brilha e ele agradece a Deus por permitir que a felicidade passe
todos os dias diante dos seus olhos.
— Ei amigo no mundo da lua! Diz Igor empurrando levemente
Carlinhos do degrau de entrada da porta do hotel.
— Não Russo não estava no mundo da lua. Estava vendo a
felicidade passar!
— Esta feliz!
— Não
sei!
—
Tu és meio maluco amigo.
— Pode ser! Mas vamos embora.
GESTOS E PALAVRAS QUE DOEM NA ALMA
Os meses vão
passando e Carlinhos e Lígia se entendem tão bem que parecem duas crianças,
dois pombinhos ela feliz porque ao lado dele conseguiu amenizar a falta de
Jacques e ele também já não pensava muito na dourada dos cabelos de corda. Numa
tarde quase noite na volta do trabalho. Assim que entra no saguão do hotel
passando pela porta do bar. Carlinhos vê em uma das mesas Lígia sentada e
conversando com um cara bem vestido e de bigodes finos com um chapéu cinza
escuro na cabeça. Ele olha com cara de intriga e quando vai se aproximar do
casal. Igor o segura pelo braço
--- Espera amigo! Deixa os dois
conversarem.
— Mas o que esse cara quer com a Ligia! Quem é ele!
— É do partido!
— Que porra de partido é esse Igor!
— Olha amigo! Deixa de ser moleque, deixa Ligia resolver o
assunto com o bigodinho e não de vexame!
— Vão pra porra eu vou é dormir! Blasfemou Carlinhos.
— Não vai não! Vau tomar uma vodca aqui comigo.
— Duas vodcas! Pediu Carlinhos dando um murro no balcão.
Igor riu tão alto que outros fregueses prestaram atenção nele. E os dois
ficaram ali bebendo por mais de uma hora. Carlinhos não tirava os olhos do
bigodinho e de Ligia. De repente o bigodinho levantou se despedindo-se de Ligia
com um sorriso e um abano com o chapéu. A morena continuou sentada à mesa,
Carlinhos aproximou se dela perguntando.
— Quem é o
cara!
— É o Rafael!
— E quem é
esse Rafael! Pergunta Carlinhos com deboches e ciúmes. —
Ele é do partido amor! Veio me trazer noticias dos meus amigos de São Paulo e
da minha filha. Você sabia que eu tenho uma filha!
— Eu sabia! Ela está bem!
— O fofoqueiro do Igor te contou né! Sim ela esta bem a
minha Monic.
— Monic é o nome dela amor! É um nome lindo parece forte. Mas se está
tudo bem vamos subir!
— Acabou o teu ciúme com Rafael! Indaga Ligia.
— Deixa isso pra lá eu nem vi direito a cara do bigodinho!
— Eu sei! Mas o sangue lhe subiu a cabeça quando você me
viu com ele na mesa.
Ligia com um aceno chamou Igor, o grandalhão foi ao seu
encontro.
— Senta ai Igor! Disse Ligia.
— Não! Vamos subir, retrucou Carlinhos.
— Não! Respondeu Ligia. E falou para Igor!
— Preciso que você me acompanhe até o bairro do José
Menino! Tem um cara que chegou do Rio de Janeiro com armas e munições, veio de
lancha que precisam chegar a São Paulo urgente.
— Carlinhos olhava para os dois, estava estupefato com
aquela conversa
— Que horas é para pegar isso! Pergunta Igor.
— Agora! Responde a guerrilheira.
— Espera ai!
Gritou Carlinhos. —
Que negócio é esse de armamento! —
Fala baixo! Retrucou Igor. Carlinhos abaixou a vós, mas continuou falando.
— Ligia! Você não vai a lugar nenhum! Eu não vou deixar.
— Não se meta nisso. E depois isso é problema meu.
— É maluquice amor! Acabe com isso de uma vez por todas!
Igor deu um murro na mesa, depois apertou bruscamente o braço de Carlinhos e
com o dedo em riste foi dizendo.
— Olha aqui amigo! Você vai ficar de fora desta conversa.
Eu vou com Ligia, pegamos as armas! E a trago de volta, sã e salva para os teus
braços.
— Igor, você não me entendeu! Eu não quero que ela vá!
— Eu tenho que ir amor e depois só eu tenho a senha com o
meu contato que me espera no local. Explicou Ligia.
— Ora vocês dois estão vendo muito seriado dos intocáveis
na teve. E querem fazer a mesma coisa aqui em Santos. E se você for minha
querida! Pode se despedir de mim agora mesmo.
— Amor não diga bobagens!
— Não é bobagem! Porque não mandou o teu amigo bigodinho no
teu lugar.
— O Rafael! Não tem nada com isso Carlinhos.
— Está bem então! Minha decisão esta tomada. E dizendo isso
levantou se da mesa. Igor pediu a ele para não tomar decisões precipitadas e
obteve uma resposta que não gostou.
— Você também não é mais meu amigo Igor. Tchau para os dois
a partir de hoje vou dormir sozinho. Ligia ouviu as palavras de Carlinhos que
lhe doeram e tomou as como um desafio. E quando ele já subia os últimos degraus
da escada ela lhe disse em tom áspero.
— Você vai se
arrepender!
— Não vou não! Respondeu ele gritando.
— Bruto!
— Vamos então filha! Falou Igor a ela que baixou a cabeça,
para que o grandalhão na visse as suas lágrimas escorrerem.
— Vamos! Só vou subir para pegar uma blusa.
Ela entrou no quarto e Carlinhos estava sentado no encosto
da cama com um lençol na cabeça, ela riu baixinho daquela palhaçada, pegou a
blusa e sua bolsa.
Arrastou a
cadeira subiu nela e em cima do armário mais uma bolsa media a qual colocou
amarrada embaixo do braço. —
Já pegou o seu brinquedo dona Al Capone. Eu o deixei bem limpinho e cuidado!
Está municiado.
Ela não lhe respondeu e continuava achando graça da
palhaçada do lençol na cabeça. Foi ter com Igor e saíram.
Carlinhos
deitou se na cama resmungando e pensando o que faria ela diante do que ele
havia lhe dito, sobre acabar o namoro. E pensava chega! Eu não vou ficar
acobertando ninguém. De repente essa policia politica cai em cima de mim e
gritou bem alto.
— Que droga Ligia! Sempre tem merda para eu pisar nesta vida filha da puta.
Porque tinha que ser assim!
— Toda revolucionária. Com os dotes que tem uma pessoa
normal conquistaria o mundo! Sem armas, sem lutas sem perder ente queridos. È
assim que se luta.
Gritando de raiva dava murros na parede.
Tomou um banho e tentou dormir não conseguindo. Sentou se à
cama e olhou para o criado mudo. Os cigarros haviam acabado, abriu a gaveta
atrás de outro maço e viu o livro que Ligia lhe dera para ler.
Abriu o livro uma dedicatória.
À minha amada Ligia! Uma lembrança de uma luta difícil de
vencer! Mas o tempo o fará. Jacques!
E mais abaixo num corte bem feito estava enfiada no forro
da contracapa uma fotografia modelo documento de Ligia. Carlinhos abriu outra
pagina leu a introdução, depois colocou a fotografia de volta no corte, não sem
antes ter mostrado a língua para a foto! E guardou o livro no seu lugar.
Desceu para o saguão do hotel para comprar cigarros, pediu
também um conhaque. Sentou em uma das mesas e posse a beber como gostava em
pequenos goles sentindo o sabor na boca. E assim foi outro e mais outro e a
cabeça começou a revirar e começaram as imagens de Ligia e Esmeralda a girar em
sua cabeça. Os dois amores de Carlinhos. As duas vidas que mexiam com seu corpo
seu amor e sua alma. Pareciam entranhadas no seu sangue. Esmeralda a pureza
meiga e avassaladora que tomava conta dos sonhos de menino. O primeiro amor!
Ele não sabia explicar o porquê, daquela dourada do cabelo de corda estar
morando dentro dele até hoje!
E resmunga baixinho.
Deus por
favor, explica isso! Eu queria entender. Porque ela não sai de dentro de mim. É
castigo que minha alma tem que sofrer! Se for isso deixa a alma sofrer, não o
meu corpo. É correto isso! Tenho que pagar o apronto da alma. Não consigo parar
de pensar na dourada, basta que eu me sinta abandonado para ela vir me cutucar!
Deixa-me em paz!
— Me deixa em paz! Grita.
Alguns clientes sentados em outras mesas se voltam para ele. Que nem
percebe que gritou. O garçom vem até ele e pergunta se esta tudo bem. Carlinhos
está chorando e pede ao mesmo a nota e cigarros. Levantando se toma o caminho
do quarto e cambaleante sobe as escadarias sendo alvo de burburinhos dos outros
clientes.
Já deitado na cama vê nas espirais da fumaça do seu cigarro
a imagem de Ligia chorando. Ele chora junto e fala com ela
— Por que você tem essa mania de guerrilheira! Por que quer
libertar o Brasil. Nunca tua vais conseguir isso contra essa sociedade de
podres do nosso Brasil. Estas jogando tua vida fora. E só tens essa! Já perdeu
o Jacques e sofreu, perdeu a filha Monic e sofre e agora esta me perdendo. Até
quando meu amor, tu vais pensar assim.
— Tu minha amada é a única mulher que me faz esquecer
Esmeralda e agora estas me jogando nos braços dela. Que fim triste, vamos ter!
Solitários e desamados. Assim acabou
adormecendo.
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