08/09/2020

OS RELÓGIOS DO TEMPO

 Quando entrei na casa estranhei. Tantos relógios! Era como se o tempo fosse cronometrado. A impressão que tive foi que os relógios contavam histórias. Na sala um enorme badalão entalhado em madeira de lei. Seu som de sinos chamava a atenção e encantava. Pelo porte arquitetônico inglês e às dezoito horas cantava uma chorada Ave-Maria.

 

Além do badalão tinham relógios de todas as formas nos móveis e paredes da sala, da cozinha. No banheiro um branco quadrado. No anexo coberto do quintal morava um relógio na parede acima da máquina de lavar. Destacando sua cor vermelha da parede amarela.

 

Parece uma casa do tempo contado. Era o tio Billy que contava o tempo e as horas. Por outro a lado a casa tem muitas histórias para contar. As paredes guardam alegrias de festas, risos e momentos felizes. Como fotografias. Também percebo lágrimas e choros dos momentos tristes.

 

Desde a festa de casamento de Loreta a dona da casa, até a partida dos entes- queridos e dos cães que aqui viviam em harmonia com a família. Na realidade quem me contou toda esta narrativa foi Loreta.

Disse-me que o tio Billy foi o seu grande amigo. Era ele o tio do seu ex- marido que se apegou a ela numa grande e afetuosa amizade de muitos anos.

 

Meio surdo por um rojão junino ter estourado bem próximo dos seus ouvidos, poucas pessoas entendiam o que ele dizia. Porém Loreta entendia-o perfeitamente. Billy era um mecânico de luxo. Conhecia qualquer tipo de motor principalmente os importados. Conhecia a doença das máquinas pelo ronco e pelas vibrações.

 

Cada vez que Billy vinha almoçar com Loreta trazia um relógio para ele e contava uma história. Houve um dia em que adoeceu. Suas pernas bambearam e a idade o arrastou para uma cama. Tornou-se meio homem. Loreta prontamente adotou-o em sua casa, como um paciente e amigo já que seus dotes de enfermeira formada se fizeram presentes. A passos miúdos e planejados ela levava o amigo para tomar o sol da manhã no quintal. Colocava-o numa espreguiçadeira e lhe dava o jornal nas mãos.

 

Billy lia e resmungava. Parecia conversar com o matutino. Depois contemplava o tempo olhando as nuvens e o sol. A todo o momento conversava com seu relógio de pulso. Billy sorria! Parecia feliz com a atenção de Loreta e o meigo sorriso que ela estampava no rosto para ele. Agradecia sempre a felicidade por ser cuidado por um anjo.

Nos contratempos da vida, Billy piorou e foi levado a um hospital. Era o fim do seu tempo. O fim do tempo dos relógios que marcavam as horas da sua vida. Loreta em casa apreensiva. Mais uma dor que marcava sua vida. Mais uma história para sofrer no seu tempo. Olhava para os relógios que Billy havia lhe dado de presente. Nos milhões de tique-taques contava o tempo segundos e minutos. As incansáveis horas, que guardam os segredos da vida.

 

Ao meio dia o badalão da sala disparou um ding-dong mais alto que o normal marcando com virilidade o tempo e o espaço. O telefone tocou! Loreta nervosa e pressentida atendeu. Ouviu a voz de Billy dizendo-lhe adeus.

 

Na realidade ninguém estava do outro lado da linha. Foi um aviso do tempo. Uma alma gêmea ficou na terra. A outra partiu. O tempo vai uni-las novamente na próxima passagem.

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