Quando entrei na casa estranhei. Tantos relógios! Era como se o tempo fosse cronometrado. A impressão que tive foi que os relógios contavam histórias. Na sala um enorme badalão entalhado em madeira de lei. Seu som de sinos chamava a atenção e encantava. Pelo porte arquitetônico inglês e às dezoito horas cantava uma chorada Ave-Maria.
Além do
badalão tinham relógios de todas as formas nos móveis e paredes da sala, da
cozinha. No banheiro um branco quadrado. No anexo coberto do quintal morava um
relógio na parede acima da máquina de lavar. Destacando sua cor vermelha da
parede amarela.
Parece
uma casa do tempo contado. Era o tio Billy que contava o tempo e as horas. Por
outro a lado a casa tem muitas histórias para contar. As paredes guardam
alegrias de festas, risos e momentos felizes. Como fotografias. Também percebo
lágrimas e choros dos momentos tristes.
Desde a
festa de casamento de Loreta a dona da casa, até a partida dos entes- queridos
e dos cães que aqui viviam em harmonia com a família. Na realidade quem me
contou toda esta narrativa foi Loreta.
Disse-me
que o tio Billy foi o seu grande amigo. Era ele o tio do seu ex- marido que se
apegou a ela numa grande e afetuosa amizade de muitos anos.
Meio
surdo por um rojão junino ter estourado bem próximo dos seus ouvidos, poucas
pessoas entendiam o que ele dizia. Porém Loreta entendia-o perfeitamente. Billy
era um mecânico de luxo. Conhecia qualquer tipo de motor principalmente os
importados. Conhecia a doença das máquinas pelo ronco e pelas vibrações.
Cada vez
que Billy vinha almoçar com Loreta trazia um relógio para ele e contava uma
história. Houve um dia em que adoeceu. Suas pernas bambearam e a idade o
arrastou para uma cama. Tornou-se meio homem. Loreta prontamente adotou-o em
sua casa, como um paciente e amigo já que seus dotes de enfermeira formada se
fizeram presentes. A passos miúdos e planejados ela levava o amigo para tomar o
sol da manhã no quintal. Colocava-o numa espreguiçadeira e lhe dava o jornal
nas mãos.
Billy lia
e resmungava. Parecia conversar com o matutino. Depois contemplava o tempo
olhando as nuvens e o sol. A todo o momento conversava com seu relógio de
pulso. Billy sorria! Parecia feliz com a atenção de Loreta e o meigo sorriso
que ela estampava no rosto para ele. Agradecia sempre a felicidade por ser
cuidado por um anjo.
Nos
contratempos da vida, Billy piorou e foi levado a um hospital. Era o fim do seu
tempo. O fim do tempo dos relógios que marcavam as horas da sua vida. Loreta em
casa apreensiva. Mais uma dor que marcava sua vida. Mais uma história para
sofrer no seu tempo. Olhava para os relógios que Billy havia lhe dado de
presente. Nos milhões de tique-taques contava o tempo segundos e minutos. As
incansáveis horas, que guardam os segredos da vida.
Ao meio
dia o badalão da sala disparou um ding-dong mais alto que o normal marcando com
virilidade o tempo e o espaço. O telefone tocou! Loreta nervosa e pressentida
atendeu. Ouviu a voz de Billy dizendo-lhe adeus.
Na
realidade ninguém estava do outro lado da linha. Foi um aviso do tempo. Uma
alma gêmea ficou na terra. A outra partiu. O tempo vai uni-las novamente na
próxima passagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário