Conto de minha autoria publicado na coletânia da AVEB
- ACADEMIA VIRTUAL DE ESCRITORES BRASILEIROS -
Livro BRASIL EM CONTOS ll
UM ENCANTO EM CADA CANTO
Depois do impacto da morte de Lorena o tempo era uma agonia. Carlinhos andava sempre cabisbaixo. Parecia uma pessoa sem vida. Ficava a imaginar como teria sido sua vida com Maria Esmeralda. A menina dourada e como seriam seus filhos. Crianças claras com os olhos iguais aos da mãe. Teriam uma vida de ternuras e afagos. Seriam como dois anjos construindo uma família. Outras vezes como teria sido com a revolucionária Lígia. Achava que com ela a vida a dois não teria um paradeiro. Estaria sempre em perigo e correndo de um lugar para outro. Sempre fugindo da polícia política. Achava que diante de tanto terror, filhos nem pensar! Mas se por acaso os tivessem seriam crianças morenas de olhos negros e cabelos lisos.
Lembrou-se do dia em que Lígia o levara em uma casa de Umbamba. Ali no terreiro assistiram à incorporação de vários caboclos um dos quais apontou para Carlinhos, pedindo que se aproximasse. Assim o fez. Em pé diante da entidade abaixou a cabeça.
O caboclo pediu que erguesse a cabeça e nunca mais a abaixasse para alguém, a não ser para o Pai Oxalá o mestre. Enquanto dava o passe e as suas orações o caboclo dizia.
--- Só abaixe sua cabeça quando culpado for de algo. Mesmo assim peça perdão pela culpa com a cabeça erguida. Pedir perdão é o reconhecimento do erro. Mas cuidado com os que te perdoarem. Pois poderão jogar pregos no seu caminho. Muitos não sabem perdoar incondicionalmente e sim só da boca para fora.
--- Nunca faça errado meu filho. Para não ter que pedir perdão. Agora vai em paz.
A cerimônia continuou. Com outras entidades baixando. Logo estavam os Pretos Velhos dando suas consultas. A pedido de Lígia O Preto Velho abençoou o casal. Dando-lhes conforto para as almas e com palavras de incentivos aos dois. Após a benção olhou para Carlinhos e pediu-lhe para escrever o livro da vida. O poeta que há muito não escrevia ficou abismado olhando para a IDENTIDADE. Pensou: - Como ele sabe que eu gosto de escrever.
E falou mais ainda.
--- Quando você escrever a última página traga-a para mim. Porém nosso personagem não deu a devida atenção ao que lhe havia pedido a ENTIDADE.
Hoje se lembrando desse passado e dos dias de solidão foi até a prateleira onde morava num cantinho o rascunho do seu livro. Onde estão seus escritos poéticos. Pegou-o meio mofado pelo tempo e foi recordando algumas partes. Chorou! Depois muito perturbado lembrou-se de toda sua vida. De tantos porquês! Porque o destino lhe passando sempre a perna. Derrubando seus sonhos, seus encantos. Porque a vida matou tanto a pureza que trazia na alma.
Será que ficou devendo tanto nas outras vidas. E tinha que pagar nesta. Não achava possível amar tanto e nunca ter um final com felicidade. Foram apenas momentos felizes e depois os choros e sofrimentos pelas perdas dos seus amores. E dos entes que sempre julgara amar. Mas que também não conhecia a realidade do que pensavam dele e com que olhos o viam.
Seja como for foi à vontade do destino. Não tem mais volta. Pensava que seu círculo se fechara nesta vida. Não havia mais elos de amor na vida de um velho. Acabou então escrevendo a última página como entendera que o Preto Velho do passado havia lhe pedido. Quando na companhia de Lígia.
Enganou-se mais uma vez. Quanto a pensar que o destino não mais se importava com a sua vida.
A ÚLTIMA PÁGINA - ADOREI AS ALMAS
O triângulo de luz se faz presente no conga. Silêncio, Oxalá é Rei é presente. Ogã atabaque inicia a vibração do toque. Cambono prepara a adoração. Louvor as divindades. Aos poucos a luz de Oxalá o Rei invade os corações. Pairando como dádiva aos crédulos presentes. Onde havia dúvida de incrédulos, agora existe a certeza.
Agô meu Pai Pedro. Perante a mim num sorriso sereno. Veio como a noite emanando a luz divina. Enviada por Oxalá o Rei.
Tamanha foi minha emoção diante da divindade, que minhas palavras ficaram presas na garganta. Fechei os olhos que enrijeceram numa câimbra forte. Ouvindo a vós serena do curandeiro que educa. Ensinando a caridade e preservando os encantos da terra. Trazendo no coração o dom da vida, da cor, do costume e a magia de curas das ervas.
Quando consegui falar: Pedi-lhe.
--- Dá-me meu Pai! O remédio para a cura dos lanhos da chibate da vida. Ajuda-me na cura da minha alma despedaçada. Derruba a inveja da força e do mal olhado. Ensina-me o caminho para brilhar sem vingança. Estendeu-me sua mão e eu, a senti, como um choque. Uma convulsão de choro ao recado que me dava.
--- Aqui está feito meu pai. Escrevo esta última página conforme o seu pedido, as correções e erros da minha vida, estão no meu coração junto com a crença. Deposito o meu livro de amores nas tuas mãos e sigo as regras que o destino me impõe.
--- Com a força que me deste ao segurar minha mão. Parto agradecido para o caminho da vitória. Assim escreveu Carlinhos colocando a página no final do rascunho do seu livro.
Como sempre perdera o sono. Tomou um medicamento e na madrugada gelada sentou-se na poltrona da sala. Sobre a mesa de centro onde deixara o rascunho velho e mofo, passaram olhos e um par de mãos. Que bateram a poeira do manuscrito e o folhearam. Uma olhada por cima de quem, só
por curiosidade.
--- Está se sentindo melhor!
Foi um grande susto, para quem perdera o sono e se medicara a pouco pela alta da pressão arterial.
--- Fica calmo! Falou o amigo que há algum tempo não vinha para lhe contar ou repassar contos para ele escrever.
--- Senti a sua falta! Estava muito chata a minha vida sem ter alguém para conversar.
--- Estou aqui porque você me chamou.
--- Não te chamei! É difícil para eu entender como você sabe quando estou aflito e tenho meus remorsos e preocupações.
--- Sei de todas as suas dores, mas não compete a mim cura-las. Só você pode fazer isso.
--- Então como eu te chamei.
--- A partir do momento em que você escreveu a Última Página. Conforme foi lhe pedido por uma ENTIDADE no passado. Ao qual você nunca deu atenção. Porque você só faz as coisas quando sofre. Quando padece de afetos. Quando se sente o rejeito do mundo! Porque maltratas tanto o teu corpo e mente!
--- Procuro fazer as coisas certas e no tempo certo!
--- Não parece! Porém não vim aqui para discutir e sim lhe dizer. Que quem sonha como você e escreve seus textos. Também pode inventar a sua história. Então sugiro que você leve seu livro, com a última página escrita a mesma Casa de Umbanda do passado. Ela ainda está lá no mesmo lugar.
--- A propósito dei uma olhadela nesse seu livro! Ele está perfeito. Leve-o com fé e entregue para quem lá o pedir. Estenda com fé a sua mão e pense em realizar o teu sonho. Tchau garoto! E não se esqueça de tomar seus remédios. Fui!
Pensativo na chegada a Casa das Orações, Carlinhos estava apreensivo. Estava tudo bem modificado. Foi lá também uma das últimas vezes que vira os olhos negros e brilhantes de Lígia. A emoção lhe subiu à cabeça e ele sonhou com lembranças daquele amor inesquecível.
Os trabalhos se abriram com os CABOCLOS dando os passes. Carlinhos com o livro nas mãos e dirigindo-se na direção do caboclo tropeçou e caiu. Foi socorrido por um senhor calvo e de longa barba acinzentada. O homem estendeu-lhe a mão para que se levantasse e com a outra recolhia o livro que havia se espalhado pelo chão. Diante do CABOCLO denominado ROMPE MATAS. Carlinhos viu o homem que lhe socorrera estender a mão para devolver-lhe o livro. O CABOCLO fez sinal ao homem para que o segurasse as páginas recolhidas.
Ouviu do ogum se aprendera a nunca baixar a cabeça para ninguém e respondeu que sim. Mas não era o mesmo CABOCLO do passado lhe perguntando. Como ele sabia disso! Nunca baixar a cabeça nem para pedir perdão.
Desta vez o CABOCLO lhe deu outro conselho dizendo-lhe no final do passe.
--- Só abaixe a sua cabeça para dar a mão a alguém caído ou precisando de socorro. Fazendo um dobalé.
Carlinhos voltou ao seu lugar. O homem que lhe socorrera da queda, estendeu a mão para lhe devolver o livro e sentando-se ao seu lado.
--- É para você que eu tenho que entregar o meu livro! - Perguntou Carlinhos.
--- Não sei! - Respondeu o homem.
--- Meu nome é Mário e sou editor. Se quiser deixar seu livro comigo. Prometo lê-lo com muito carinho.
DOBALÉ - Prostrar-se ao chão; cumprimento aos assentamentos dos orixás que consiste em deitar-se ao chão estendido e rolar de um lado para o outro.
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