02/04/2020

QUANDO A ALMA DÓI

Conto de minha autoria publicado na coletânia da AVEB 

 - ACADEMIA VIRTUAL DE ESCRITORES BRASILEIROS -

  Livro BRASIL EM CONTOS ll 

UM ENCANTO EM CADA CANTO


 Acordava todos os dias com chicotadas de remorsos marcando seu peito. Lágrimas de saudades queimavam seu rosto, quando escorriam. Porém o que- estava feito, não tinha volta. As lembranças e os bons momentos eram os principais inimigos. Era o que mais lhe doía.

 Da mesma forma na hora de dormir os pensamentos lhe remoíam o cérebro. Achava-se um infeliz, por ter ido em busca dos sonhos e da felicidade, talvez na hora errada.
      No passado quando jovem fez exatamente tudo igual. Deixou tudo de família e a namorada, partindo sem rumo para um desconhecido destino. Não sabendo o que a vida lhe reservava. Nesse outrora os sentimentos, as tristezas e saudades foram vencidos. Sua índole e coerência por ter aprendido a ser leal consigo mesmo lhe ajudaram muito. Encontrou uma pessoa da qual gostou e construiu sua família.

      Hoje, porém a situação é a mesma, mas os laços de família diferentes. No passado foram a mãe os irmãos e a namorada amada. No presente as filhas e os netos. Encontrou a namorada do passado e a felicidade que não teve ao lado dela. Trocou de família novamente indo buscar um sonho. Editar um, pelo menos, dos seus seis livros que estavam em rascunho e mofando numa prateleira.

      Passava dias e dias trancado num quarto. Ao seu redor filhas e netos. Não escutava nem um bom dia. Nem um oi. Era como um robô fazia coisas automaticamente. Sentia-se um invisível, um quadro sem moldura e dentro dela a paisagem que não existia.
      Um aposentado inútil sentia que a coragem de viver lhe abandonava. Ao contrário de quando era importante para sua família. Quando tinha um sonho para todos. Quando todos tinham a mesma opinião em ter um pai ao lado.
      Hoje percebe que cada um tem sua vida própria. E cada um tem uma opinião e uma mágoa para reclamar do que deu ou não para fazer. Vivendo dentro da mesma família. Desacertos entre certos e errados. Pai pra cá, pai pra lá. Pai isso, pai aquilo. Porquês! Cobranças. 

   --- Para tudo! Vocês estão criadas. Tem vida própria. Chega!

 Uma aflição, vontade de fugir para qualquer parte do mundo.

      Às vezes a filha mais velha ia ao quarto, conversava o trivial, era a única que lhe dava mais atenção. Os netos mais novos às vezes eram malcriados e lhe faziam caretas pelas costas. Era um velho ranzinza e chato. Assim sua mãe o ensinara a ser. Um velho macambúzio e sem alegria, que se perdeu no tempo do passado. Quando criança educada era criança calada. 
      Outras vezes a neta mais nova o deixava falando sozinho. Mas o neto! Esse sim era um menino diferente e esperto. Conversavam muito quando ele o levava na escola. Ele adorava conversar com o menino, adorava escutar as conversas dele, os sonhos que tinha na sua cabeça juvenil. 
Ele, porém, nunca teve um pai ou um avô para conversar. Desde os sete anos ia sozinho para o grupo escolar.
      Pior foi o abandono do pai quando os netos ainda eram pequeninos. Ele se incumbira de criá-los e aguentar o rojão com o resto da família. Passeava com os pequenos, levava-os na escola, na praia. Às vezes chorava quando comentavam a falta do pai. Tivera uma boa infância, pobre, porém o pai como um arrimo. Prometera ao Senhor do Mundo cuidar das crianças e mesmo que ele morresse, pediu que deixasse seu espírito aqui, até os pequenos terem vida própria. Assim poderia olhar por eles.

 O neto assim como a neta só tinha atenção para com ele na hora de ir e vir para escola. Em contrário o celular falava mais alto. E o menino fazia do celular o avô, o pai que faltava, a mãe que não dava atenção. Não era esse o menino diferente e esperto que ele gostaria que fosse. 
      Os ventos não deixaram de soprar entre o tempo e a vida. Era como uma voz falando ao seu coração. Um grito de amor chamado liberdade.

 A despedida foi como o lamentoso apito de um trem partindo. Teve a impressão de ter visto a morte trazendo nas mãos, um trapo roto e velho em aceno. Poderosa era a voz do vento que em dueto com a voz do mar entravam janela adentro do ônibus, lambendo seu rosto e esvoaçando seus parcos cabelos. O caminho do destino estava traçado.

 O cheiro de novas terras entrando pelo nariz. O cheiro da terra com flores, com mato. O cheiro do asfalto quente a zumbir com os pneus dos carros girando. Gente pelas soleiras das portas a espiar. Ruas de terra e cachorros magros passeando pelos caminhos. Lembravam-lhe a infância em correria com os pés no chão. Cantos e recantos pobres e felizes. Líricos e bucólicos onde a poesia, da rima é beleza diante da miséria. Eram essas as lembranças dos rascunhos do seu livro de encantos. Era com essa lembrança de ter sido um menino pobre e feliz. Com o contraste da vida dos netos.
      Partiu velho e enferrujado, tão triste como perder uma paixão. Tão triste como abandonar e deixar no abandono a quem ficava. Por isso a noite os fantasmas lhe chicoteiam no sono, nos sonhos, da vida.

 Vida que enruga sua pele curtida de dores do passado.

      Porém a luz no fim do túnel lá estava. O seu encontro marcado com o amor. Lá estava a sua espera no terminal rodoviário. Era uma menina moça de setenta anos. Loirinha num curto vestido branco e azul. Nos pés um par de sandálias de couro completava a vestimenta que estava de acordo com seu sorriso,

 Ele todo apaixonado vendo aquele anjo que fora seu no passado e agora estava ali diante dele depois de cinquenta anos. Seu corpo tremia. Não sabia onde colocar as mãos. Seu espaço era pequeno diante do imenso terminal rodoviário.

      Os cabelos curtos dela há transformaram numa meninota atrevida, que lhe trouxe um avassalador abraço de sonhos. Nesse momento um beijo matou a sede das saudades do passado e da vida. Tão caloroso e frenético que muitos frequentadores do terminal olharam a cena espantados e curiosos. Acho que nunca haviam visto dois velhos jovens apaixonados.

      Compraram as passagens, partindo para um mundo do interior. No trajeto muita conversa, sorrisos e afagos. Beijos e ilusões de esperança de sonhos e amor. Pareciam as duas crianças jovens e enamoradas do passado que o destino se encarregou de separar.

 

Agora a vida lhes dava um novo alento, um amor avassalador acompanhado de meiguices carinhos e encantos. Ele pediu a ela nunca perder o encanto. Nunca perder o sorriso lindo para o mundo. Disse-lhe ainda que nunca duvidasse do seu amor em qualquer situação.

       Dentro de um conto de fadas passaram a viver. Nas noites geladas seus corpos abraçados eram o remédio do aquecimento Nas manhãs geladas seus corpos aquecidos pela cama quente gerava a preguiça do bem-estar.

      Suas peles eram a seda que sentiam quando suas mãos deslizavam em carinhos, viajando pelos seus corpos.

      Assim ele sentia sua namorada que dera o delicado nome de Açucena, Era o encanto carnal complementando seu espírito. Foi-lhe de dada de presente pelo SENHOR DA VIDA.

      A felicidade lhe embala de amor com sua namorada, os sonhos de editar os livros, cada dia afloram mais. Um fora editado. Os mais de cem contos e crônicas andam pela internet da vida em blogs a fazer sucesso. Porém, as lembranças e os bons momentos do passado continuam seus principais inimigos. Fustigando lhe a alma. Se sente culpado e com remorsos, por ter deixado os netos sem a sua presença. Dói na alma pensar que ele faz falta aos pequenos.
      Depois de morar num quarto de quatro paredes mofadas. Sentindo-me na prisão do seu ego. Açucena deu-lhe a liberdade. Amou-a numa aliança dos seus braços em volta do corpo dela. Deu um sim a ela, por toda a vida. Como na frente de Deus se dá no altar. Deu-lhe o respeito. O carinho e amando-a como se a cultuasse.


Porém quando se ama demais. Tornamo-nos enjoativos. Sua Açucena transformou-se numa rosa, colocando para fora todos os seus espinhos. Ferindo-o com palavras, gestos e atitudes.


Seu amor sempre foi sincero ele sempre disse a ela tudo que sentia. Um dia como uma avalanche percebeu que seus encantos acabarem. Desencantaram-se! Manchados, desbotados com alvejante.


      Desencantado! Virou também um desencanto para quem o encantava.
      E assim mais um elo se fechou. Talvez mais um pagamento que deviam em vidas passadas. Perante a dor de amor o final desse filme foi o mesmo do passado. Triste!
     

      Acorda muitas vezes no meio da noite com a pressão alta. Suado se medica e vai para o sofá da sala. Sempre acompanhado de caneta e papel. Tem a impressão que na penumbra pela luz do fraco abajur alguém esta junto dele.

      Agora ele escreve as tristezas da vida. Hoje ele passeia descalço pelas areias da praia. As lembranças afloram. Parece ver ao longe a sua Açucena se aproximando. Junto dessa miragem a brisa fresca da manhã afaga seu rosto. Na volta do passeio embora o sol aqueça seu corpo. A solidão é sua companheira.

 A paisagem é a mesma da partida. A vontade de viver não mais existe. Em outros tempos quando o amor era o encanto, a vida era predominante. Agora tanto faz.

      Esta é a realidade de um escritor que enquanto amava e era amado, não conseguiu escrever uma página sequer dos seus contos e livros. Empregou os sentimentos na vida real para ser feliz. Após o fracasso e a falência do amor. Hoje tem a capacidade de se sentir um condor no seu supremo voo. Tem a capacidade de planar como a libélula e volitar como um espirito de luz. Narrando com precisão todos esses sentimentos.

Eu digo que ele nasceu para escrever e sei que vai colher frutos. Quando alguém ler o que ele escreveu e chorar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



      

 

 

 

 

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