19/04/2020

PANDEMIA INIMIGA OCULTA

 

      Ruas vazias. Um amontoado de prédios sem vida. Silencio! Calados esqueletos de prédios abandonados. Cenário de guerra. Volta e meia olhos espionando das janelas o movimento das perigosas ruas desertas. Cidade morta. Outrora uma linda Avenida majestosa a sorrir para as pessoas. Hoje até o nome Avenida Paulista é sombrio.

Agosto! Uma forte neblina gélida encobria a visão da noite. Um frio geado por toda a parte.

      Denise parou! Vislumbrou na transversal Rua Pamplona, vultos em movimento. Tremeu! Temeu por sua vida. O coração acelerou. O estomago vazio se contraiu. Sentiu queimar na garganta um refluxo acido. Cuspiu um caldo pastoso e amargo que espumou no chão. Agora medo e fome faziam-lhe companhia arrepiando os pelos do corpo.

Pensou em voltar. Voltar para que! Casa! Não há tinha mais. Estavam todos mortos. A casa! Infestada. Invadida pela pandemia que levou a todos.

      A noite caiu, um escuro de sombras. Fantasmagórico. Lembrou-se dos pesadelos quando criança. Acordava com os fantasmas do sono. Gritando. Só se acalmava com o afago da mãe tocando-lhe o rosto.

Continuou andando. Não sente nem a presença de Deus para orar. Com as mãos no bolso do largo e enorme casaco segura firme uma pequena faca de cozinha serrilhada. Suas mãos suadas sentem como areia os farelos do último pedaço de pão duro que carregara há quatro dias.

      Apressou o passo com coragem. Demonstrando que não tinha medo. Os vultos se moviam posicionando de um lado para o outro da esquina. As magras pernas de Denise batiam os pequenos saltos do solado no chão. Seu corpo estava fraco demais, seu estomago se contraia de fome.

      Que seja o que Deus quiser --- Pensou.

Uma lua clara se mostrou. Mostrando fantasmas sombrios nas paredes. As constelações acendiam numa dança de pontilhadas de estrelas. Denise já estava quase em cima dos vultos. Eram três. Olharam-na. Ela não parou de andar, mas encarou os agora visíveis homens.

      Um deles gritou-lhe. Para! --- esticando o braço com a mão espalmada na frente.

      --- Quer comida? --- Disse-lhe o vulto --- Tem aqui! --- apontando o dedo para o chão.

      Ela estancou os passos. Seus olhos mostravam-se firmes e sem medo.

      Olhou para o chão! Jaz um cadáver de mulher pelas manchas escuras e avermelhadas na pele branca já estava mutilado. Voltou o olhar de terror para o homem que lhe havia pedido para parar. Ele tinha boca escorrida de sangue da carne crua mastigada.

Denise correu feito uma louca. Enquanto vomitava as náuseas em ânsias doloridas do que não tinha no estomago. Algumas esquinas a frente do acontecido parou encostando-se a uma parede para tomar folego. As pernas ainda estavam tremulas. Pensativa ficou. :- Não demorou muito para as pessoas perderem o último fio de humanidade. A fome os faz matar assassinar e engolir outros de sua própria raça. Dando um alento as dores da fome.

Denise nunca imaginou como ser humano sair à caça desse tipo de alimento. Racional seria morrer com o estomago implodindo. Numa dor torturadora.

      Após dar um alivio ao corpo na esquina da Rua Itapeva, continuou a caminhada. O endereço da tia era Rua Augusta 396 um prédio antigo de escadarias ainda de madeira protegida por corrimão de balaústres.

Atravessou o lado contrario do Parque Trianon passou diante do MASP e continuou andando. Passou a Rocha Azevedo, Frei Caneca e finalmente começou a descer a Rua Augusta com destino ao bairro da Consolação. A caminhada foi exaustiva. Já se sentia sem forças para dar passos. Numero 784. Os pés estavam duros não os sentia mais. Pareciam congelados. Formigavam. Sentia-se descalça. Parecia bêbada trôpega. Os olhos queriam fechar. O corpo pedindo para deitar. A vida estava indo embora.

      Finalmente o velho prédio estava a sua frente. Eram três andares de escadas de madeira. Degraus velhos rangendo. Apoiada nos balaústres Denise agora feito uma zumbi subia os degraus. Chegava ao primeiro andar. Sentiu o cheiro do saboroso frango assado que sua mãe fazia aos domingos no almoço da família. De joelhos feito uma pagadora de promessas subiu o segundo andar. O cheiro do assado tornava-se cada vez mais acintoso. Parecia um sonho. Sentou-se no primeiro degrau da subida para o terceiro. Via-se numa mesa de um domingo feliz. Diante dos familiares. Na mesa encara o seu premio de felicidade. Uma assada e dourada sobrecoxa de frango. Sentia-a tenra e macia entre os dentes. A mãe lhe sorria exclamando. --- Gostou filha!

      Com o sabor do assado na boca criou coragem e arrastou-se para o terceiro andar agarrada aos balaústres. Já não sentia mais o corpo. 301 a primeira porta. As batidas foram quase inaudíveis. Deitada ao solo do frio piso de ladrilhos em xadrez escutou passos. A porta rangeu pela ferrugem das dobradiças abrindo-se. Seus olhos se fecharam. Seu corpo finalmente descansou com um sorriso frio nos lábios quando ouviu uma conhecida voz de alento.

      --- Denise! Meu Deus!

Carlos Alberto Paduan

Vila Esperança São Paulo.

Escrito no meu quarto cela.

Outono pandêmico de 2.020

 

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