16/04/2020

OS AMORES DE CARLINHOS

Hoje estou mostrando aos meu amigos o segundo capitulo do meu livro " OS AMORES DE CARLINHOS "





 UM CAMINHÃO DE MUDANÇAS

 

Nossa morada era uma casa simples, que ficava num bairro longínquo e pobre na periferia de São Paulo. Um lugar chamado Vila Ré.

Ruas de terra batida, com muito mato. Terrenos baldios, pouco comércio, asfalto só na avenida principal onde trafegavam os ônibus. Um bairro em formação com poucas casas prontas para morar e outras em construção. Ali numa infância simples e de aprendizado honesto, formou- se muita gente com lealdade e pés no chão. Muitos só tiveram o diploma de grupo escolar, mas se tornaram homens trabalhadores e leais. E desde os tempos de criança a amizade e o companheirismo se aprendiam brincando nas ruas de terra batida e pés descalços. Ainda me lembro de muitas brincadeiras gostosas e apaixonantes, éramos os heróis das ruas. A rua era o nosso brinquedo, nosso desejo a nossa paixão. Uma vida gostosa e sem problemas, tudo era motivo para pular, dançar e cantar, E quando aparecia a nossa rainha da rua! Uma gorduchinha e redonda que pulava e rebatia de pé em pé, A mais fofa, a mais disputada, a mais querida. A bola! A tão linda bola, que levava os meninos as alturas aos sonhos e principalmente ao grito de gooooollll!

Vira a três e acaba a seis, eram assim as partidas. O time que fizesse os seis gols primeiro era o vencedor e a virada, aos três gols mudava o lado do campo, porque a rua era uma ladeira. Dava muita diferença correr com a bola nos pés para cima ou para baixo.

Domingo à tarde. Copa do mundo de 1.962 a seleção brasileira entra em campo contra a forte equipe da Tchecoslováquia. Os nervos estão à flor da pele. A equipe canarinho vai a campo com Gilmar, Djalma Santos, Mauro Zózimo e Nílton Santos. Zito e Didi, Garrincha Vavá Amarildo e Zagalo.

Era dia de festa na rua! A molecada pulava, corria e gritava. Uma euforia sem fim. Começavam a aparecer rádios em todos os quintais, alguns tinham uma luz frontal no alto e a molecada dizia que era um olho na testa. Quando ligava a luz acendia.

Início da partida que Fiori Gigliotti narrava com perfeição, dando a noção exata ao ouvinte o posicionamento dos jogadores dentro do campo.

A cada gol brasileiro a emoção da comemoração e a euforia tomavam conta de todos.

Final de jogo Brasil campeão mundial de 1.962.

Foi nessa paragem que me criei e conheci Carlinhos.

Menino esperto para sua idade e muito sonhador. Tinha muitas ideias maluquinhas. Bem ativo, não trocava os seus sonhos por nada. Era o poetinha da molecada e adorava parábolas, trovas e boemias. 





Nesse dia Carlinhos, como todo brasileiro estava feliz e em festa, porém perguntou-se:- O que é aquilo! Naquelas paragens. E mais raro ainda, um caminhão de mudanças. O caminhão desceu a rua, pequena ladeira de terra batida onde Carlinhos morava. Um caminhão de mudanças! Novidade à vista. Curiosidade e divertimento para aquele fim de mundo. Essa mudança vinha de uma cidade chamada Maringá lá das bandas do estado do Paraná. Por conta da novidade a molecada esqueceu a comemoração do jogo do Brasil e se aninhou à volta do caminhão, que havia estacionado enfrente a casa que era de um amigo, o Eustáquio que se mudara para outro lugar. Da parte de trás do caminhão cobertos por uma lona armada desceram dois rapazes e duas moças. Da cabine, um casal de meia idade que deviam ser os pais da família e duas meninas. Uma novinha que devia ter uns dez anos, a outra mais ou menos a mesma idade de Carlinhos. Cabelos dourados olhos verdes ou azulados, Carlinhos não soube decifrar a cor. Um rosto branco de neve e duas 

bochechas vermelhas. Parecia uma boneca. Foi à paixão do menino.





Enquanto descia do caminhão a boneca olhou para o espantado Carlinhos! Que sentiu um frio arrepio, lhe descer pelas costas e parar no pé da bunda. Uma sensação que nunca havia sentido antes, estático, viu aquela boneca sorrir para ele, parecia uma besta empacada. Um falatório começa e o menino sai do transe, era o pai daquela família, oferecendo um dinheiro para molecada ajudar na descarga do caminhão. O homem disse que eles estavam cansados da longa viagem e que daria um dinheirinho a quem ajudasse.

Carlinhos então tomou a frente e foi logo dando ordens de chefe. Queria entrar naquela casa para ver mais uma vez aquela menina.

— Vamos logo descarregar essa mudança e sem bagunça, para não quebrar nada! A molecada começou o trabalho e Carlinhos incentivava os companheiros a levar os móveis para dentro da casa. Cada vez que ele entrava carregando algo, seus olhos percorriam todos os cantos em busca da preciosa menina dourada. Numa dessas entradas deu de frente com ela. Seu coração disparou num repente a mil por hora. Sentiu novamente aquele arrepio nas costas e seu corpo amoleceu. A menina passou por ele olhou de soslaio, com um sorrisinho de quem estava gostando do que via. Carlinhos saiu da casa e a viu entrar na cabine do caminhão e sumir lá dentro. A noite começava a cair quando a molecada terminou de descarregar a mudança. Cada um que passava no portão, para ir embora recebia uma nota amarelinha de dois cruzeiros. E foi dali para a venda da Clarice, o dinheiro suado da mudança. Muitos doces e balas a festa continuava na pequena rua de terra batida. Caiu à noite de lua clara e estrelada, a molecada se recolhia, um aqui, outro acolá, outros a mãe chamava, Carlinhos também foi caminhando para casa. E logo que se viu só, o pensamento deu uma reviravolta. A menina dourada! Aquela loirinha com cabelo de boneca e pensando nela Carlinhos foi descendo a pequena ladeira. Parou no portão de madeira e olhou para o final da rua e em meio a alguns clarões de luz e sombreadas pode avistar o vulto do caminhão parado. Pensou em ir até lá para ver se a menina dourada ainda estava na cabine. Mas num impulso abriu o portão e entrou para casa. Sua mãe logo resmungou, mandando-o para o banho.

Segunda-feira sete horas da manhã lá vai à molecada para escola. Um quilômetro de ladeira abaixo, e na sola do sapato, andando rápido para não perder a hora. O assunto era seleção brasileira, Brasil campeão não tinha outra coisa para falar nesse dia. Menos para Carlinhos que estava calado, não estava a fim de papo. Ficou de proposito um pouco atrás do grupo de garotos. Mas no seu encalço estava o amigo Luís, que descia rapidamente a ladeira para encontrar à turma.

— Oh Calinhô! Vamo logo! Vamo chega atrasado.

— Pode ir se quiser! Hoje estou a fim de ficar sozinho!

— Qui cá conteceu amigo!

— Nada Luís! Só estou querendo ficar sozinho!

— Bão! Intão vo apressa u passo pra num chegá atrasado na escola!

Carlinhos não conseguia esquecer a menina loira, toda a vez que lembrava, batia aquele arrepio:- Porque essa menina está me deixando assim! O que está acontecendo comigo! -  Pensava distraindo quando de repente! Blém, blém, blém! Era o sino da escola avisando que o portão ia fechar. Partiu em disparada, correndo feito louco caiu, ralando o joelho na terra, mas levantou-se e conseguiu chegar antes de o portão fechar. Foi logo entrando em formação para cantar os hinos, Nacional e da Bandeira. Era obrigação dos alunos de qualquer escola e de todo cidadão brasileiro. Era o ato de civismo mais nobre daquele tempo. Toda criança na idade escolar tinha orgulho de cantar os hinos.

Carlinhos cantava-os, com vós alta e a mão firme sobre o peito.  



Num ar sério, como um adulto responsável.


                         
                                                                                           

 


Os dias foram passando, um grande tédio começou a tomar conta dos seus dias, às vezes num canto ou outro, olhando para o nada. Divagando pensando não sei em que. A mãe notara a diferença no filho e conversou com o pai. Este então indagara se o filho comia direito, se não tinha febres ou estava com o corpo mole. A mãe respondeu que nesta parte ele estava bem, normal.

— Então só fique preocupada se ele tiver alguns sintomas. Falou o pai, e continuou falando.

— O menino está em idade de se modificar! Ele já deve ter visto alguma pomba verde voando por ai! Isso é normal nessa idade. Deixa-o no canto dele.

E de fato o pai estava com a razão, Carlinhos estava apaixonado. Já não era o mesmo menino que corria ladeira acima sem se importar com o cansaço. Gostava de cantar e dançar as músicas que estavam na parada de sucessos. Não era mais o menino sorridente e disposto que todos conheciam. Não tinha mais vontade de jogar bolinha de gude, e deu todas as suas ao amigo Luís, que saiu numa correria para juntar com as dele e contá-las.

Já não tinha mais graça estragar a brincadeira das meninas quando pulavam corda ou brincavam de roda. Não tinha mais graça à brincadeira de pula saco, que Carlinhos se mostrava sempre um bom competidor e na maioria das vezes vencia todas as disputas, mesmo tendo moleques maiores que ele na brincadeira. Era um grande mestre do pula saco.






Um dia na sala de aula a professora dona Dinah abriu um livro de poesias e começou a explicar para os alunos o que eram, odes e rimas poéticas. Falou dos grandes mestres da poesia. Entre eles Machado de Assis. Castro Alves e outros. Explicou aos alunos como transformavam tudo em poesia, até uma vírgula era motivo para poetar. Explicou também aos alunos sobre as poesias românticas que falavam de amor, sonhos e esperança. A importância das rimas. Carlinhos se interessou pelo assunto, e dona Dinah vendo o menino tão compenetrado na aula perguntou lhe, se ele seria capaz de fazer um verso de quatro linhas naquele momento. Os outros alunos se espantaram quando ele assentiu com a cabeça dizendo sim.

— Muito bem Carlinhos! Dou-lhe então, cinco minutos. Está bem! Novamente ele assentiu a cabeça em sinal de tudo bem, Compenetrado pegou o lápis, rabiscou o caderno depois apagou e tornou a escrever e apagou de novo e escreveu outra vez. Levantou a mão em sinal à professora dizendo estar pronta a poesia.

— Muito bem Carlinhos! Então leia a sua poesia para a classe!

Ele levantou-se com o caderno nas mãos e de vós trêmula, iniciou a declamação da ode. 


 

— Vírgula! Um sinal curvo,

Na mesma linha da palavra!

Que separa a frase!

Como se fosse, uma trava!

 

— Muito bem Carlinhos! É um verso estilo Manuel Bandeira, que implantou no Brasil o modernismo poético. - Disse a professora!

O menino perguntou então o que era o modernismo poético.

— Modernismo poético Carlinhos! É a poesia, que já não tem mais muitas rimas ou muito lirismo! É feita com um verso mais livre, com tendências para se poetar em torno de qualquer coisa ou mesmo, até um objeto. Assim como o teu verso da vírgula. Quero dizer que a poesia já não é mais tão melosa, como antigamente e também já não se emprega mais aquele português arcaico. Com o passar das aulas vou explicando tudo isso a vocês.

 




Nenhum comentário: