08/10/2018

CAUSOS DE UM CONTADOR DE HISTÓRIAS

Em festa ou reuniões de amigos ou famílias, sempre chama a atenção um contador de causos ou um piadista. Mesmo em velórios essa figura sempre aparece por suas destrezas e habilidades com as palavras. Sempre envolvendo um bom número de espectadores. 
Esse que estou citando era Pedro Junqueiro, compadre e amigo de meu pai. Quando não era história o homem vinha com um violão. Sua habilidade com o instrumento era tão grande que eu tinha certeza de que o violão cantava. 
Dessa história eu nunca esqueci. O homem dedilhava o violão enquanto declamava. Foi na revolução de trinta e dois. Numa noite de lua clara e muito fria na cidade de Silveiras. Estavam entrincheirados Pedro e mais doze revolucionários. O sereno caía gelando a alma e a solidão de aconchego. Caetano era um cantor das boates da noite na capital de São Paulo. Pedro Junqueirol, sentado no buraco, dedilhava uma viola que havia sido esquecida por alguém durante a retirada de um fazendeiro de sua plantação de café. 
Caetano pediu a Pedro que desse um tom em ré maior e de pôs a cantar uma canção de Chiquinha Gonzaga que dizia. 

( Oh, lua branca de fulgores e de encanto 
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo 
Vem tirar dos olhos meus o pranto.) 

De repente! Na prata da lua ouve-se uma vós. 
-- Ô paulista revolucionário? Tá com saudade da mulher! 
Um pracinha da trincheira responde. 
Tô sim soldado e você! Não tem saudade da mãe e de casa. 
Caetano acompanhado por Pedro continua sua cantoria. 

( Ai, vem matar essa paixão que anda comigo 
Oh, por quem és desce do céu, oh lua branca 
Essa amargura do meu peito, oh, vem, arranca.) 

-- Porque você não baixa sua arma soldado! Vem lutar do nosso lado! Diz o pracinha
-- Não posso! Fiz um juramento à Pátria. 
-- Pátria de quem! A nossa Pátria é São Paulo soldado! 

( Dá-me o luar de tua compaixão 
Oh, vem, por Deus, iluminar meu coração 
E quantas vezes lá no céu me aparecias.) 

-- Não pracinha! Jurei pelo nosso Brasil! 
-- Brasil sem constituição soldado. A lei é de Getúlio que quer se nosso dono. Vamos derrubar ele soldado! 
-- Não posso! Tenho comando para obedecer! 

( A brilhar em noite calma e constelada 
E em tua luz então me surpreendias 
Ajoelhado junto aos pés da minha amada.) 

Pracinha? O teu amigo canta bem. Fez a gente chorar na nossa trincheira. 
É ele quem acalma as nossas noites de frio e de medo soldado! Se você voltar para sua casa dá um abraço na sua mãe por mim. 
Boa sorte! 
-- Boa sorte prá você também pracinha! E me perdoa meu amigo! 
-- Tenta voltar vivo para a sua mulher! 

( E ela a chorar, a soluçar, cheia de pejo 
Vinha em seus lábios me ofertar um doce beijo 
Ela partiu, me abandonou assim 
Ó, lua branca, por quem és, tem dó de mim.) 

No final da música. Um enorme clarão e vários estrondos caíram sobre a trincheira dos paulistas revolucionários. Pedro jogou o corpo ficando deitado no fundo da trincheira. Caetano apavorado jogou-se sobre ele e as bombas tomaram conta da noite. Tendo uma lua branca como testemunha. 
Fez-se o silêncio de morte. Amanheceu! Pedro levantou-se devagar tirando de suas costas Caetano o cantor! Ao colocá-lo deitado de lado Pedro só viu a metade do corpo do cantor. A trincheira era um grande buraco com várias poças de sangue. 

A.V.P.L.P.  

ACADEMIA VIRTUAL DE POETAS DA LÍNGUA PORTUGUESA

PATR0N0:  ARTHUR DE AZEVEDO

ACADÊMICO - CARLOS ALBERTO PADUAN – CADEIRA - 82


 

Um comentário:

Unknown disse...

Meu amigo. Lendo esse conto. tive a impressão que você estava lá na trincheira. Junto com os nossos heroicos pracinhas.