04/03/2020

DUAS VIDAS E UM DESTINO



Hoje quando vi você chorar doeu em mim. Tuas lágrimas desciam no teu alvo rosto, como gotas de orvalho. Pareciam perolas a escorrer. 
Chorastes se culpando pelo nosso passado. Pelo que fomos. Dois jovens sem juízo. Sem planos e com muita energia de amor. Não estávamos preparados para ser pai e mãe. Quis o destino que nosso rebento partisse ainda no teu ventre. Protegendo-o de amarguras e sofrimentos de ter pais separados. 
Talvez esse fosse o elo que nos uniria para sempre. Mas a vida se encarregou disso. Fomos cada um para um lado. Levando nas nossas mochilas o peso dos dissabores. Das magoas, nossas teimosias, nossas brigas. Nossos rancores. Trancamos nosso amor dentro do peito. E na lembrança, guardamos nossos beijos, risos e afagos. Na saudade os abraços, nosso sentir. Nossos odores, nossos momentos. O tempo transformou nossa beleza em sépia. Como nossas fotos que se tornaram antigas e rotas. Passamos por outras famílias. Vieram outros namoros. Outros sonhos, outros rebentos. Fomos felizes por educação por respeito, por obrigação familiar. Fomos nobres e feras defendendo o que construímos. Fomos a vida imposta pelo destino e carimbada, pelo cartório do tempo. Formamos nossos filhos, afagamos e sorrimos para nossos netos. Fomos amigos e inimigos do tempo. 
Porém hoje eu vi você chorar. Mesmo passados cinquenta anos, me doeu! Você se culpando por um elo que o tempo se encarregou de nos tirar. 
Hoje sinto que o destino também nos protegeu, nos poupou e ensinou que o amor trancado nos nossos peitos, amadureceu. Agora é o nosso tempo a nossa vez de sermos felizes. Não choro mais agora, por te procurar na vida. Não lamento mais o que não deu certo no passado. Mas esta dando certo no presente. O destino quer fechar os nosso elo neste tempo. Por isso nos uniu novamente. Estávamos mortos nesta vida. E quando nossos olhos se encontraram. Sentimos um novo encanto, uma nova vida. Viramos dois velhos jovens e sonhadores. Abrimos os nossos corações para um novo dia. Não somos mais a sépia do tempo à ferrugem que rói e pontilha o papel, desbotando e amarelando. Hoje podemos partir desta vida, tranquilos e sabedores do que estava escrito no papel da vida. Que teríamos que formar nossas famílias. Encontrarmos-nos novamente e morrermos felizes. Para voltarmos juntos na próxima vida ao seio familiar que preparamos para nos receber. 
 

Nenhum comentário: