21/03/2020

DANDO A VOLTA POR CIMA NA VIDA

 Ela passara o último Natal e Ano Novo somente com a filha a lhe fazer companhia. Restavam só as duas, uma família dizimada pelo tempo.

Partiram para outra esfera pai e mãe, o marido se fora também, fim de um amor fracassado. A tristeza se fazia presente dentro daquele coração como uma doença que talvez não tivesse mais cura, uma esperança muito longe, um remédio que não tinha mais receita.

Encontrei-a triste como em uma fotografia gasta pelo tempo. Seus olhos já não tinham mais vida. Olhei-a de cima a baixo procurando uma centelha de luz naquele corpo cansado da vida. Achei no canto da boca um pequeno e tímido sorriso.

Com o passar dos dias fui dizendo-lhe bom dia e sorrindo. Vi aquele corpo de setenta anos, desfilar um pouco mais belo, imponente tal qual ao de uma garota nova com um andar mais chamativo perante os olhos dos jovens.

Do canto da boca, seu sorriso cresceu para os lábios, que agora já se enfeitam com um batom vermelho rosa. O mesmo odor rosa exala de seu corpo. O cansaço do desamor já não é mais uma dor.

Agora vejo uma velha menina serelepe, que parece gingar como uma cabrocha em dia de samba. Vejo um sorriso procurando outros para dizer bom dia. Vejo pessoas que se despedem dela e já sentem saudades. Vejo uma tremenda mulher, um furacão de sensualidade que me faz delirar a cada abraço, cada beijo. Vejo a vida de uma forma tão feliz e eloquente, que perante testemunhas, enlacei meus braços em volta seu corpo, como uma aliança.

Pedi-a em casamento durante um almoço e vibrei de alegria. Seu sim foram lágrimas de emoção e felicidade. Quando olhei para as testemunhas, elas brindavam com o que tinham nas mãos: pratos, copos, talheres e muitos sorrisos acompanhados de vivas e parabéns.

E agora, com nossos setenta anos, demos a volta por cima da vida.

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